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A Guerra Fria não se limitou ao muro que separava as duas Alemanhas antes de sua queda, em 1989. Em 1977, na Documenta de Kassel, a principal mostra de arte alemã, artistas como Markus Lüpertz negaram-se a participar dela em protesto contra a inclusão de colegas da ex-Alemanha Oriental, entre eles o veterano Bernard Heisig, guardião da escola realista.

O tempo se encarregou não só de derrubar o muro, mas a fronteira que separa esses dois pintores, hoje juntos ao lado de 24 outros na maior exposição de pintura alemã contemporânea realizada em São Paulo, "Se Não Neste Tempo", que será aberta domingo, no Masp, com 83 pinturas que raramente saem da Alemanha. São obras assinadas por pintores como Gerhard Richter, Martin Lüpertz, Penck, Franz Ackerman, Immendorff e Kippenberger, entre outros.

Com curadoria de Teixeira Coelho e Tereza de Arruda e patrocínio da Mercedes-Benz, a exposição reúne artistas que antes nem se cruzavam - por causa do muro ou diferenças ideológicas. Veteranos como Heisig, hoje com 85 anos, membro do Partido Socialista e fundador da denominada Escola de Leipzig, defendia, por exemplo, uma pintura realista na tradição de Cranach e Max Beckman, renegando a arte contemporânea da Alemanha Ocidental, especialmente a realizada sob influência de Joseph Beuys. Assim, é justo dizer que o muro político de Berlim foi derrubado, mas não o artístico. Discípulo de Heisig, o pintor Neo Rauch, nascido em Leipzig há 50 anos, assume que seu estilo é conservador, embora resista ao rótulo de realista socialista. Na mostra, grandes telas suas mostram operárias e trabalhadores, de fato, mas com balõezinhos do tipo usados pelo pop Lichtenstein (sem legendas, desta vez), o que pressupõe um comentário irônico do autor.

Se o regime comunista impôs o realismo socialista em oposição à ação libertária de Beuys, por que os artistas de Leipzig, então, seguiam o expressionista Beckman, desprezado tanto pelos nazistas como pelos comunistas? Por que Heisig, voluntário da Juventude Hitlerista, passou a pintar os horrores do Terceiro Reich? Como Werner Tübke (1929-2004), expoente da escola realista de Leipzig, que se dedica à crítica social com sua pintura, assumiu justamente o estilo glorificado pelos pintores oficiais de Hitler para condenar o nazismo? São questões que incomodam também os alemães, como comprovam os curadores da mostra.

Teixeira Coelho conta que ele e Tereza de Arruda, visitando os museus alemães em busca de obras, tiveram de ouvir de seus diretores "que tais e tais artistas ou períodos não interessavam ou eram irrelevantes". Esses períodos "inconvenientes", segundo o curador do Masp, eram invariavelmente os anteriores à queda do muro.

Entra aí não uma questão de gosto, mas política, mercadológica. Em 1989, a Alemanha Ocidental estava cheia de neoexpressionistas renegados pela Oriental por serem considerados decadentes. Hoje são estrelas na mostra do Masp, como o falecido Martin Kippenberger (1953- 1997), um dos mais paródicos representantes da escola de Hamburgo, à qual também esteve filiado Jonathan Meese - ambos fixados em temas ligados à sexualidade fora dos trilhos.

Outros que trabalharam perto de Kippenberger - e para quem os diretores de museus alemães torceram igualmente o nariz - são os rebeldes Werner Büttner e Albert Oehlen, representantes do que se convencionou chamar de "bad painting" (ou transvanguarda), gênero que nos anos 1980 identificava uma pintura de aparência rudimentar, figurativa e contrária à ordem rígida minimalista da década anterior.

Dois nomes da pintura alemã se destacaram por essa época, Baselitz e Kiefer, referências obrigatórias quando se fala em pintura alemã contemporânea. Teixeira Coelho justifica a ausência dos dois ao lembrar que o primeiro já teve mostra na Pinacoteca e as obras de Kiefer estiveram em exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

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