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Capa de “Blackstar”, lançado na última sexta-feira (8). | Reprodução
Capa de “Blackstar”, lançado na última sexta-feira (8).| Foto: Reprodução

Dois dias antes de morrer de câncer e um dia antes de completar 69 anos, David Bowie lançou o clipe de “Lazarus”. Acompanhando uma música cujas primeiras palavras são “olhe aqui para cima, estou no céu”, lá estava ele em uma cama hospitalar, os olhos vendados, sua letra anunciando a própria liberdade. Ninguém, a não ser os parentes próximos, fazia ideia de seu estado de saúde. E o anúncio da morte apenas ligou os pontos.

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Com um musical homônimo lançado há cerca de um mês, Bowie parecia mais vivo do que nunca. Vivo como sempre, para seus padrões alienígenas. Sua morte é um baque em várias esferas: muito além do status irrevogável de lenda, ele era um dos poucos artistas a não perder a mão nunca — seu último disco é a prova definitiva. Por isso, é difícil lamentar sua perda apenas por seu passado, mas também por seu futuro.

“Blackstar”, o disco e projeto final, assume-se pré-candidato a maior memento mori da história da música. Junta-se a “Donuts”, de J-Dilla, ou ao clipe de “Hurt”, de Johnny Cash: materiais que, cada qual à sua maneira, mergulham na morte com coragem estarrecedora. Nenhum deles, talvez, com tamanha engenhosidade, pois escondido, recluso, silencioso, David Bowie, o último personagem de si mesmo, enganou todo o mundo.

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Tony Visconti, eterno produtor e voz oficial do músico inglês na Terra, já estabeleceu o disco como presente de despedida. Afinal, se Bowie teve sempre um passo à frente da arte, por que não o teria em relação à própria morte? Para isso, bastou tratá-la como mais de um de seus trabalhos.

Além do visualmente angustiante clipe de “Lazarus”, esse foi o primeiro disco sem sua face na capa. Uma decisão estranha, a essa altura da carreira. Após 18 meses vivendo com câncer, parece que Bowie deixou pistas de que estava, de fato, desaparecendo.

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Se o simbolismo em sua obra passa longe de ser novo, dessa vez foi absoluto. O foco minimalista na estrela negra, epítome icônica do músico que mais misturou popularidade e estranheza ao longo da história, passou a representá-lo com precisão poética. Por sua vez, o clipe da faixa-título, lançado em novembro, anunciava um ambiente ritualístico e sombrio — a caveira de um astronauta morto é o elemento menos estranho ali. Para completar, o álbum inteiro foi disponibilizado no YouTube.

Não poderíamos, no entanto, esquecer do Lázaro em si. Bowie, como reciclador dos outros e de si mesmo, resgatou o romance “O Homem que Caiu na Terra”, de Walter Tevis, cuja adaptação cinematográfica ele havia estrelado em 1976. O fez renascer, readaptando-o para um musical. Inesgotável, reutilizou a canção como epitáfio: o Lázaro bíblico pode ter demorado quatro dias para voltar à vida, mas Bowie já estava acostumado à mudança. Ele, afinal, transformou um câncer em música sem prazo de validade.

“Desse jeito ou de jeito algum, você sabe que eu serei livre”, cantou na própria “Lazarus”. Dito e feito: David Bowie escolheu ir a seu modo, encarando a morte como somente um ser humano cósmico conseguiria. A nós, cabe desfrutar sua criação derradeira.

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