“A vida é muito dura pras mulheres”, diz a cantora Elza Soares| Foto: Stéphanne Munier/Divulgação

Se há 62 anos, Ary Barroso acertou em cheio ao dizer que nascia uma estrela em seu programa de calouros, o que ele não podia imaginar é que o tempo daquela menina franzina é precisamente agora.

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Isso porque Elza Soares, aos 78 anos de vida, acaba de lançar um dos discos mais poderosos do ano. Fruto de uma parceria com um seleto grupo de músicos paulistanos, o apocalíptico “A Mulher do Fim do Mundo” é o primeiro trabalho só de inéditas da cantora, que avisa: “Vou cantar até o fim”.

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Se, com a ajuda de José Miguel Wisnik, Elza desconstruiu alguns paradigmas em “Do Cóccix Até o Pescoço” (2012), agora, em seu último lançamento, a cantora se converte ao que há de mais moderno na música brasileira.

O time vanguardista que desafiou as síncopes do samba com dissonância e barulho foi recrutado pelo produtor Guilherme Kastrup, que inaugura o punk-samba com a vibração de Elza e o talento de uma nova geração.

Feito de 11 faixas, o disco joga luz sobre as asperezas da vida urbana, explorando temas como sexualidade, violência doméstica, drogas e morte, não sendo raros os momentos em que as poesias se confundem com a dura biografia da menina de Vila Vintém. “Os compositores vieram com uma fita métrica pra cima de mim”, diz Elza, por telefone, à Gazeta do Povo.

Wisnik é convocado mais uma vez para musicar o poema “Coração do Mar”, de Oswald de Andrade, que abre o disco com a rouquidão de Elza à capela. Na sequência, um trio de cordas faz a ponte para “Mulher do Fim do Mundo”, um samba cabeça e elétrico de Romulo Fróes e Alice Coutinho, que faz a guitarra e o cavaco conversarem, enquanto Elza canta: “Meu choro não é nada além de carnaval / é lágrima de samba na ponta dos pés”.

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Apesar de ter a violência doméstica marcada em sua vida, em “Maria da Vila Matilde”, música de Douglas Germano, Elza canta o tema com leveza e bom humor, mas engrossa a voz ao falar do assunto. “É um problema que existe. Muitas mulheres não têm coragem de denunciar e a violência continua. A vida é muito dura pras mulheres, mas eu não me conformo não”, afirma.

Ouvir “A Mulher do Fim do Mundo” é conhecer o que há de mais novo na música brasileira e ao mesmo tempo testemunhar as raízes do samba serem evocadas na voz única de Elza Soares, que lida com o que é moderno com uma naturalidade de gênio. “Tirei de letra, não senti nada de diferente. Fui feliz”, afirma, cheia de orgulho, após dar à luz ao disco mais emocionante de sua discografia.