Cantora quis celebrar o ‘corpo humano”| Foto: Lucas Bori/Divulgção

Horas antes de postar seu novo vídeo na internet, Clarice Falcão buscou, em caixa alta, aconselhamento com seus seguidores no Twitter. O clipe prometia causar, arrasar, zerar, tombar, lacrar, mitar ou qualquer verbo que aprova veementemente ações empoderadoras (outro termo quente) em tempos de militância digital.

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Quando finalmente a singela “Eu Escolhi Você” foi disponibilizada terça-feira (20) no YouTube, o play descortinou um desfile de corpos nus. Mais precisamente, da cintura para baixo. Sim, genitálias. De homens e mulheres. Uma celebração, segundo a cantora, ao corpo humano. Houve meme e houve polêmica, mas o vídeo de Clarice não acrescenta em nada na busca artística por desmistificar a nudez. E essa conclusão em nada se baseia em conservadorismo. Tem mais a ver com a cansativa tendência que a indústria pop tem de se reciclar por meio de uma limpa e bem estudada aura de transgressão. O resultado em geral é bobo. É este o caso do videoclipe.

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Quando o diretor Pablo Monaquezi e a própria Clarice divulgaram o link em suas redes sociais, advertiram, sagazes, que os fãs corressem para assistir antes que saísse do ar. Era óbvia a intenção de sim, causar, como a própria Clarice admitiu, também em um tuíte. Como previsto por seus criadores, o YouTube derrubou o vídeo horas depois, alegando violação de suas políticas de nudez ou conteúdo sexual. Em meio a alguns detratores, que focaram sobretudo nos atributos anatômicos dos participantes das cenas, houve quem acredite que o vídeo é inovador e, mais do que isso, necessário em uma sociedade antiquada.

Conversa antiga

Michelangelo (com seu Davi, datado do século 16), Goya (que pintou “La Maja Desnuda” no fim do século 18), o libertino Marquês de Sade, Henry Miller e, já na contemporaneidade, Annie Leibovitz (que fotografou John Lennon sem roupa para a capa da Rolling Stone pouco tempo antes de sua morte) e Tom Zé (e a premiada capa do álbum “Todos os Olhos”, idealizada por Décio Pignatari) já vinham trabalhando em tabus e ‘vergonhas’ humanas. Vale, portanto, questionar se conta mesmo como transgressão artística a reunião de algumas dúzias de genitálias dançantes.

Clarice é cria da internet. Antes mesmo de compor o elenco da Porta dos Fundos, já lançava suas músicas em vídeos divertidos. Também ganhou prêmio no próprio YouTube por um curta-metragem. Tem noção, portanto, de como gerar um buzz.

O mais recente foi em novembro de 2015, com um cover de “Survivor”, do grupo Destiny’s Child, liderado por Beyoncé nos anos 1990. Reuniu mulheres de idades, etnias e origens diferentes, brincando com um batom vermelho e conseguiu falar sobre a questão de igualdade de gênero (trecho da letra, em tradução livre, diz “eu sou uma sobrevivente, eu não vou desistir, eu não vou parar, eu vou me esforçar”). O resultado foi mais orgânico. Já “Eu Escolhi Você” não ultrapassa a ideia juvenil de rebeldia que se apoia simplesmente na exibição de falos e vaginas ‘au naturel’. Parece escolher a polêmica pela polêmica. E a espirituosa e inteligente Clarice pode bem se colocar sem apelar pra essa surrada dinâmica da indústria pop.