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Por Que Gostamos de História

Jaime Pinsky. Editora Contexto, 224 págs., R$ 29,90.

Apaixonado pela história, o professor Jaime Pinsky decidiu escrever um livro sobre as virtudes da musa a quem dedicou sua vida. Em Por Que Gostamos de História, o historiador tenta entender os motivos por trás de fenômenos como a proliferação de publicações da área ou o que faz da disciplina uma das mais populares nos colégios.

Em entrevista à Gazeta do Povo, além de apresentar suas hipóteses para explicar esse fascínio coletivo, Pinski criticou o que chama de análise "presentista" da história.

Ele também afirma que as manifestações que irromperam no país em julho fazem parte de um processo histórico maior e as análises sobre suas razões até agora foram apressadas.

Afinal, porque gostamos de história? Já que, para o senhor, isto é um fato, e não uma pergunta.

Há uma série de motivos. Mas eu diria que são três os principais. Há o caráter afetivo. Quando crianças, muitos de nós tivemos a sorte de ter alguém: pai, mãe professor, etc que sabiam contar histórias. Isso é carregado de um valor afetivo muito grande. Era o momento em que um adulto se dedicava inteiramente à gente, contava coisas e nós ficávamos atentos. Portanto, gostamos desta história narrativa. Há também um motivo de caráter transcendental. O ser humano sempre quis saber de onde veio. Acontece que hoje em dia, as religiões que costumavam dar respostas a essas perguntas não são mais tão consideradas no Ocidente como já foram. Essas respostas estão sendo substituídas por história.

E qual o terceiro motivo?

É o para onde vamos. O historiador, quando tenta imaginar o que pode vir a acontecer, tem chance de acertar em proporção maior. O historiador que tem uma boa formação, detém uma soma de informações e técnicas para analisá-las, que o predispõe positivamente para tentar fazer projeções de cenários possíveis a médio prazo.

Em seu livro, o senhor dá exemplos de como a imprensa tenta fazer projeções que esbarram na falta de perspectiva histórica?

Exatamente. Até porque não me parece função da imprensa fazer previsões. Quando o jornalista decide agir como historiador, corre o risco de cometer erros. Isso não impede que o jornalista estude história e não possa ser um bom historiador. Não se trata de reserva de mercado. Qualquer pessoa pode sentar e escrever um livro de história. O resultado será analisado e julgado por pessoas qualificadas e também pelo mercado. Aos poucos, os livros oportunistas, tendenciosos, são desmascarados.

Em que momento a formação do historiador é fundamental?

Eu acho que os historiadores deveriam fazer parte de equipes em campos para os quais eles raramente são convidados. Se bancos convidassem para suas equipes de analistas historiadores qualificados, eles obteriam resultados melhores em suas previsões. É fundamental em arquivos e bibliotecas de alto nível a presença de historiadores. O historiador não faz coisas como usar amostragens irreais. Há uma diferença entre uma história que eu chamo de "perspectivista" e uma história "presentista".

Qual a diferença?

No primeiro caso, é olhar para o passado com o olhar de alguém que vive em uma cidade do Brasil do século 21 e pertence a determinado grupo socioeconômico. Isso é perfeitamente normal e é em razão disso que você tem especialidades diferentes na história. O presentismo é moldar o passado de maneira a adequá-lo a algum interesse do presente. Isto é muito perigoso.

Eu costumo dizer que em estatística você pode dar uma torturada nela e ela confessa qualquer coisa. A história não confessa coisas que não lhe cabe confessar.

Em uma época como a nossa, de radicalismos políticos e religiosos, isso se torna mais usual e mais perigoso?

Claro. Você extrai do passado amostras isoladas para provar uma tese. Na Unicamp, apareceu um professor que fez um estudo e verificou que uma família de escravos tinha um vaso de flores na janela em que eles moravam. A partir deste dado, ele tentou concluir que a vida dos escravos não era tão ruim quanto se dizia. É ridículo, mas está sendo feito. É pegar amostragem e pinçá-las com fins ideológicos ou novidadeiros na academia e, principalmente, fora da academia.

Há um risco de que isso ocorra quando se for contar a história das duas semanas de convulsão social em junho de 2013?

Tudo aconteceu muito próximo e houve uma tendência de buscar uma explicação rápida. Porém, sem dar a essa explicação uma perspectiva histórica. Essas manifestações sob um olhar histórico, me parecem fazer parte de um movimento de longa duração, que tem como origem o fato de haver um longo divórcio entre o Estado e a Nação. O Estado como arcabouço jurídico-político e a Nação como a soma dos cidadãos. No Brasil criou-se um Estado sem haver uma Nação e, por outro lado, esta nunca se sentiu representada pelo Estado. Temos eventos e surtos ocasionais de aproximação da Nação com o Estado e nunca o contrário.

Que surtos foram estes?

A Revolução de 1930 em suas origens, apesar de ter dado no que deu. No início dos anos 1940, o movimento dos estudantes no Rio de Janeiro para que o Brasil entrasse na [Segunda] Guerra após o afundamento dos navios brasileiros pelo eixo [Alemanha, Itália e Japão]. Outros são mais recentes – Fora Collor, Diretas Já e os de junho – são tentativas da Nação de dizer ao Estado que não nos sentimos representados. Aqui no Brasil isso é, inclusive, semântico: o Estado são eles. É um movimento histórico maior que pouca gente está percebendo.

Mas os protestos serão retomados?

Ou o Estado entende que tem de representar a Nação ou teremos tumultos cada vez maiores.

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