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Em Beijo Bandido, Ney se apresenta mais contido, porém vigoroso | Adriano Vizoni/Folhapress
Em Beijo Bandido, Ney se apresenta mais contido, porém vigoroso| Foto: Adriano Vizoni/Folhapress

Enquanto subiam no telão ao fundo do palco os letreiros com a ficha técnica de Beijo Bandido, o público que quase lotou o Teatro Bradesco na estreia do show, na última sexta-feira, em São Paulo, não parou de aplaudir e gritar pela volta de Ney Matogrosso. Até que a projeção da palavra "fim" provocou um uníssono e sonoro "oh" de desapontamento. Ficou o gosto de quero mais.

Tudo a ver com a atitude do novo show de Ney, que, como ele mesmo tinha dito em entrevistas e confirmou no palco, é bem diferente do anterior, Inclassificáveis. Só se surpreendeu quem estava mal informado.

Falsa expectativa Ney não tinha dado. Porém, defendendo o lado da plateia, é compreensível a vontade de vê-lo/ouvi-lo um pouco além da 1h20 que durou o show. Na volta para o bis, como em poucas passagens do roteiro, o Ney rebolativo atiça o fogo da dança na plateia na rumba "Incinero" (Zé Paulo Becker/Mauro Aguiar), mas baixa um pouco o termômetro em "Mulher Sem Razão" (Cazuza/Dé/Bebel Gilberto). É solução inteligente, de menos catarse e mais sugestão.

Mas, pensando em retrocesso na letra de Cazuza, o show é um convite para ouvir atentamente "aquela canção que não toca no rádio", ainda mais dessa maneira. Se é "meio paradão" no meio, como comentou um fã à saída, nem por isso deixa de ser emocionalmente intenso e provocar a receptividade musical do espectador. Seja na melancólica "A Distância" (Roberto Carlos/Erasmo Carlos), em impecável apresentação, na sensualidade de "A Cor do Desejo" (Junior Almeida/Ricardo Guima), na desolação de "Tango pra Tereza" (Evaldo Gouveia/Jair Amorim), "De Cigarro em Cigarro" (Luiz Bonfá), em ritmo de bolero, no choro "Doce de Coco" (Jacob do Bandolim/Hermínio Bello de Carvalho) ou em "Segredo" (Herivelto Martins/Marino Pinto), há uma profusão de letras que versam sobre carência, ausência e saudade inconformada.

Visualmente, Ney utiliza pouquíssimos recursos. Não há cenário, só um telão ao fundo para a projeção de algumas imagens dele em poucos momentos – nas demais são as luzes de cores fortes que cobrem, eficientemente, o branco, produzindo grande efeito. Um jogo de lâmpadas aparece em apenas uma canção, no bis. No centro do palco, uma mesinha de apoio para uma taça de água, um banquinho com encosto que serve tanto para ele se sentar e se apoiar em movimentos sinuosos, como para descansar o blazer.

O figurino, de Ocimar Versolato, é o mesmo do início ao fim – terno prateado com forro vermelho, exposto estrategicamente para introduzir o clima do bolero, camisa aberta e gravata afrouxada. O resto – ou seja, tudo de mais grandioso e mais importante – é música. Ney e os excelentes instrumentistas que o acompanham – Leandro Braga (piano e direção musical), Lui Coimbra (cello e violão), Ricardo Amado (violino e bandolim) e Felipe Roseno (percussão) –, expõem suas sutilezas ao silêncio absoluto e surpreendente da plateia (só nos intervalos das canções ouvia-se esporádicos gritos de "lindo", "maravilhoso").

A ótima acústica do teatro, ambiente ideal para esse tipo de show, contribui para a nítida percepção dos detalhes de arranjos e interpretação. O início com "Tango pra Tereza" e a sequência final com as dramáticas "Bicho de Sete Cabeças" (Geraldo Azevedo/Zé Ramalho/Renato Rocha) e "As Ilhas" (Astor Piazzolla/Geraldo Carneiro), bem como "Invento" (Vitor Ramil) e "A Bela e a Fera" (Edu Lobo/Chico Buarque) no meio, são momentos que mais exigem fôlego do intérprete – que impressiona pela admirável forma física e vocal aos 68 anos. Beijo Bandido deverá chegar a Curitiba em abril de 2010, mas a data e o local da apresentação ainda não estão confirmados.

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