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Hilburn (de óculos, à direita de Cash) foi o único jornalista a cobrir o show no presídio de Folsom | Jim Marshall/Divulgação
Hilburn (de óculos, à direita de Cash) foi o único jornalista a cobrir o show no presídio de Folsom| Foto: Jim Marshall/Divulgação

Robert Hilburn, 73, é fã confesso de Johnny Cash. Não só dele, é verdade. O jornalista que durante quase 40 anos assinou críticas de música para o Los Angeles Times é também fã de Dylan, Springsteen, Lennon, Bono, Dr. Dre e Cobain, para citar só alguns dos artistas admirados – e, em algum momento da carreira, espinafrados – por Hilburn. Mas foi Cash quem lhe rendeu a primeira grande matéria, ou assim ele a enxergava. Em 1968, Hilburn escrevia para o LA Times como free-lancer e insistia com os chefes que o rock, a country music e o R&B mereciam um espaço fixo no jornal. Pediu para cobrir o show do ícone country no presídio de Folsom, foi atendido e, desde então, passou a ser uma das vozes mais respeitadas em matéria de música pop. Hoje, Hilburn trabalha nos últimos detalhes de seu novo livro, Johnny Cash: The Life, biografia que será lançada em novembro nos Estados Unidos. Por e-mail, ele concedeu a seguinte entrevista à Gazeta do Povo: A que qualidades o senhor atribui o sucesso de At Folsom Prison?

Depois de todos esses anos, o que mais me impressiona é a dinâmica de Cash na gravação; a maneira como ele criou uma verdadeira conexão com a plateia ao expressar a angústia, a raiva e o remorso dos prisioneiros. O disco parece conter um momento "humano" único, e não um projeto do showbiz. Acho que as pessoas sentem isso quando o escutam, seja em 1968 ou em 2013.

Johnny Cash sabia que o disco tinha potencial para reerguer a carreira após os fracassos comerciais de meados dos anos 1960?

Ah, sem dúvida. Cash quase foi dispensado da Columbia Records um pouco antes do lançamento de "Ring of Fire" [1963], portanto ele sabia que estava vulnerável. Havia anos ele tentava convencer os executivos a deixá-lo gravar um disco na prisão e, com a ajuda do produtor Bob Johnston, finalmente recebeu o sinal verde. Cash sabia que aquele era o seu momento. Em duas tentativas anteriores, ele tinha fracassado terrivelmente por causa das drogas. Se falhasse novamente, provavelmente a gravadora não lhe daria outra oportunidade. John sabia que tudo estava em jogo em Folsom. Foi por isso que levou o projeto tão a sério, planejando cada etapa do show com tanto cuidado. No meu próximo livro, há uma foto dele poucos minutos (eu acho) antes do show. Ele aparece em pé, sozinho e fumando; é possível ver o nervosismo atravessando seu corpo.

O senhor insistiu com seu editor para cobrir o show em Folsom. O que atraiu sua atenção para o evento?

Não tinha ideia de que o evento seria histórico. Eu estava começando a escrever sobre música pop, querendo que o jornal me desse um emprego em período integral e buscando boas matérias. Essa parecia ser uma boa história: Johnny Cash cantando "Folsom Prison Blues" no presídio de Folsom. Eis aí um bom gancho; além disso, eu era um grande fã de Johnny Cash. Esses elementos se juntaram.

Qual é o fato mais interessante desse período que o senhor descobriu enquanto preparava a nova biografia de Johnny Cash?

O que mais me impressionou foi saber do péssimo estado físico e emocional de John apenas três meses antes do show. Acho que ele estava atravessando o pior momento na vida – seu casamento tinha acabado, a June [Carter, futura esposa] ameaçava deixá-lo por causa das drogas, uma culpa terrível o assolava por ter se afastado dos filhos e as drogas o escravizavam. Ter quase morrido em outubro de 1967 e comandar aquela performance excepcional em janeiro de 1968 foi algo simplesmente incrível. Eu não sabia desses problemas quando estive lá na prisão. Cash parecia estar na crista da onda.

Toda vez que escuto At Folsom Prison, eu penso se um disco ao vivo na prisão, com músicas sobre assassinato, solidão, drogas e arrependimento, teria a chance de ser lançado hoje em dia.

Até acredito que outro artista possa gravar hoje um disco como Folsom ou At San Quentin [disco de 1969], mas a originalidade e o mistério desses trabalhos ficaram no passado. Projetos ou conceitos pioneiros ganham uma dose extra de drama e emoção. Ao fazer um álbum na prisão hoje, você precisaria ser melhor do que Cash em Folsom e San Quentin. Àquele que deseja fazer isso, eu só tenho a dizer "boa sorte". Esse artista faria melhor se preparasse algo diferente, algo tão original e impactante quanto Folsom foi lá atrás. E, de novo, eu digo "boa sorte".

O formato ao vivo na prisão atraiu críticas negativas na época?

Não me lembro de críticas ao formato. O gênero country, assim como o folk e o blues, estava repleto de músicas sobre prisões, portanto o assunto era comum e aceitável. O que John fez foi colocar esse repertório num ambiente ao vivo, selecionar músicas que cobriam um vasto território emocional e apresentá-las com paixão e fúria.

No livro Corn Flakes with John Lennon, o senhor diz que muitos presidiários pensavam que Johnny Cash já tinha estado atrás das grades. O texto manuscrito no encarte do disco dá a impressão de que o próprio cantor gostava de alimentar essa crença. Havia uma estratégia para criar o mito do "Johnny Cash fora-da-lei"?

Nunca conversei com John sobre o encarte, mas ele era um ótimo contador de histórias que às vezes esticava a verdade para torná-las mais dramáticas; e tenho certeza de que esse é o caso. Ele pensava que sabia como era estar na prisão – passou por maus bocados na Força Aérea, quando, trancado numa sala, tentava interceptar transmissões em ondas curtas e mensagens em código morse dos soviéticos. Era um trabalho difícil, e muitos dos seus colegas militares não aguentavam a pressão. Além disso, alguns episódios – como a detenção em El Paso por porte de drogas e a foto nos jornais em que aparecia algemado – faziam com que ele se sentisse conectado aos prisioneiros.

Há partes do disco em que é possível sentir a excitação da plateia, como no trecho em que Cash canta os versos "Atirei num sujeito em Reno/ Só para vê-lo morrer". Qual era o clima do show e como prisioneiros e guardas se comportavam?

A atmosfera no salão era "elétrica" desde o instante inicial, mas era impressionante como o público reagia de maneira cada vez mais excitada à medida que o show avançava. Quando ele chegou ao verso sobre Reno, o local pareceu explodir. Foi um momento inesquecível.

Em janeiro de 1968, Johnny Cash tinha largado as drogas havia pouco tempo e logo se casaria com June. Como estava o humor dele naquele dia?

Ele estava muito nervoso, como já disse. Mas ficou feliz e satisfeito logo depois do show. Cash sabia que tinha conseguido, sabia que tinha gravado o disco que quis por tantos anos. Ele e June estavam muito entusiasmados.

O senhor acha que Johnny Cash alternava de maneira proposital os temas sombrios da maioria das músicas com as piadas ao longo do show?

Com certeza, ele queria conquistar os prisioneiros de diferentes formas, pois sabia que todos passam por diferentes estados de espírito. Cash não queria ser unidimensional. Ele buscava entreter os presidiários, sensibilizá-los com canções calmas e religiosas e também reconhecer o ímpeto violento deles. E ele fez isso maravilhosamente bem. Não foi mero acidente. Johnny Cash não trouxe um show regular para Folsom. Ele planejou cada número, cada etapa.

O papel do Tennessee Three na criação do estilo Johnny Cash é muitas vezes subestimado. Como o senhor avalia a banda?

O baixista Marshall Grant e especialmente o guitarrista Luther Perkins inventaram um som único, básico ao extremo, porém insistente, e que emoldurava perfeitamente a voz de John. Para mim, aquele "boom chicka boom" é como o compasso firme do batimento cardíaco e confere força à música. Mas o engraçado é que o som é desse jeito porque Luther e Marshall eram instrumentistas muito limitados. Na década de 1950, eles nunca conseguiriam ser contratados para um trabalho de estúdio em Nashville. Eles simplesmente não eram bons. Criaram um estilo porque era a única coisa que sabiam tocar. Foi, de certa maneira, um acidente, mas um ótimo acidente.

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