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Sarmatz: uma nova voz na ficção brasileira | Renato Parada / Divulgação
Sarmatz: uma nova voz na ficção brasileira| Foto: Renato Parada / Divulgação

Entrevista com o escritor Leandro Sarmatz

O conto Uma Fome tem uma metáfora: compara um autor ao texto que ele escreve. O autor magro e o texto enxuto. Você sempre escreveu textos "em boa forma", como neste livro?

Acho que todo mundo que escreve tem certos momentos de prosa raquítica e de prosa obesa, um verdadeiro efeito-sanfona estilístico. Mas não sou daqueles que acham que, para ser bom, o texto precisa ser breve, sintético, conciso, esse tique estilístico que herdamos de [Ernest] Hemingway, que tinha coisas ótimas, mas que depois gerou uma série de rebentos preocupados excessivamente em descarnar a própria prosa. Basta comparar, por exemplo, a famigerada edição que o Gordon Lish fez dos contos de [Raymond] Carver com os próprios textos de Carver, sem o bisturi eufórico do editor na recente edição de Iniciantes, que saiu aqui no Brasil. Diferenças brutais. É quase outro autor. E de fato é outro autor. Também não me agrada muito o derramamento, o beletrismo, a prosa barroca e alambicada. No fim das contas, tudo tem a ver com o ritmo que você imprime no seu texto. Tendo ritmo, apresentando essa música interior, está tudo certo.

Em mais de um conto, há personagens que são escritores. Gosta de escrever sobre autores e literatura?

Pois é, isso aconteceu: vários contos tratam de escritores ou parecem ter algum pano de fundo literário. Não chegou a ser intencional, ao menos não na medida em que um dia eu tenha me postado diante do computador e pensado: "Vou escrever sobre escritores". Isso nunca aconteceu, garanto. Na hora de reunir as histórias para o livro, e havia outras que eu acabei descartando, isso apareceu. Tentando interpretar esse fato, já me peguei pensando que eu deveria viajar mais para lugares inóspitos, talvez trabalhar numa mina, ou quem sabe na pesca do caranguejo do Alasca.

Você já encontrou ou está em busca de sua voz literária?

[Jorge Luis] Borges dizia algo mais ou menos assim: "Escrever é buscar uma voz". Ou ele dizia: "Escrever é encontrar uma voz"? Confesso que não me lembro exatamente, mas essa minha dúvida talvez seja o resumo de todo mundo que se põe a escrever: Onde buscar e como encontrar essa voz? A resposta não é fácil, como se vê. Ainda estou nessa jornada.

A literatura de Leandro Sarmatz começou a chamar a atenção em âmbito nacional este ano, ainda no primeiro semestre. Um dos textos mais instigantes de Primos, coletânea sucesso de crítica, organizada por Adriana Armony e Tatiana Salem Levy, é o conto "Uma Fome", de Sarmatz. E é justamente esse texto ficcional que, agora, empresta nome ao livro de estreia desse autor na prosa.

Sarmatz, desde o final da adolescência, escreve e publica poemas em jornais e revistas gaúchas. Ele nasceu no dia 22 de abril de 1973, em Porto Alegre. No ano 2000, publicou, por meio do Instituto Estadual do Livro (IEL), o texto da peça Mães & Sogras, que esteve em cartaz de abril até o início deste mês na capital gaúcha. Ano passado, a Editora da Casa, de Florianópolis, publicou Logocausto, antologia poética de Sarmatz, que recebeu acenos e afagos da crítica.

Portanto, Uma Fome não chega a ser uma estreia, mas o livro sai com o selo de uma grande editora e terá distribuição nacional.

Uma Fome é uma obra bem amarrada. Dos 12 contos, apenas dois foram finalizados entre 2001 e 2003. Os outros dez são mais recentes, escritos e reescritos de 2005 a 2008. O autor reconhece que há pontos de contato entre todos os textos. "À medida que selecionava histórias, revisava e organizava o livro, (percebi que os contos) tratam justamente de algum tipo de desalento muito particular. Ou os personagens são abandonados, por alguém, pelo talento, pelo entusiasmo, ou abandonam alguém, algum ideal, algum lugar", explica Sarmatz.

O Holocausto, as ditaduras militares latino-americanas e outros absurdos, como o destino de vítimas de doenças incuráveis, são alguns dos temas que se evidenciam logo em uma primeira camada nos contos de Sarmatz.

O escritor, filho de imigrantes judeus que desembarcaram no Sul no final da década de 1920, diz encontrar algum paralelo entre o terror nazista e as ações dos ditadores conhecidos por brasileiros, argentinos e chilenos: nos dois contextos, houve profanação do corpo humano, aniquilamento das diferenças e a supressão de uma narrativa, no caso, a narrativa de cada um desses países entre os anos 1960 e 1980.

"E isso, claro, tem relevância para mim não apenas como autor, mas como cidadão. Que histórias foram interrompidas? Que vidas precisaram ser recontadas? Que narrativas ficaram estanques?", questiona, para em seguida dizer: "Os contos de Uma Fome são a minha busca para essas respostas."

Vida complexa

Sarmatz vive na capital paulistana desde 2001. Anteriormente, colaborava com o "Segundo Caderno" do jornal Zero Hora e com a revista Superinteressante. Quando recebeu o convite para trabalhar na redação da revista, deixou Porto Alegre. Em São Paulo, também trabalhou com livros juvenis e universitários até assumir, em 2006, o cargo de redator-chefe da revista Vida Simples, sucesso da Editora Abril, que exige dez horas diárias de dedicação.

Ele acredita que o jornalismo contribui para a sua atividade literária, principalmente porque, em revista e jornal, existe o chamado deadline, que é o prazo para a entrega de um texto. "Todo jornalista tem um quê de procrastinador, e portanto é preciso sempre ter uma data de fechamento no horizonte, caso contrário só há paralisia", comenta.

Sarmatz gosta do jornalismo e também de São Paulo, e só trocaria a megalópole por outra cidade sedutora e infernal do mesmo calibre. Ele se diz caseiro, e consegue resisitir às inúmeras opções de dispersão que a cidade oferece. E, apesar de ter pontos em comum com autores de sua faixa etária, prefere acreditar que não faz parte de nenhum grupo literário. "Não serei reivindicado por geração alguma", conclui.

Serviço:

Uma Fome. Leandro Sarmatz. Record. 128 págs. R$ 29,90. Contos.

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