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Até hoje a seqüência inicial de Crespúsculo dos Deuses é capaz de provocar estranhamento em muita gente. Seguindo à risca a cartilha do cinema noir, o filme tem início com a narração em off de um dos seus personagens centrais, o roteirista Joe Gillis, vivido por William Holden. O insólito é que a voz que se ouve é de um homem morto, que bóia, inerte, na piscina da mansão de Nora Desmond (Gloria Swanson), estrela do cinema mudo, relegada ao ostracismo com a chegada das produções faladas.

Em 1950, quando foi lançado, escalar um cadáver para narrador de um filme produzido por um grande estúdio era algo impensável. Não se sabia como o público iria reagir diante de tamanha ousadia. Tanto que, numa versão jamais lançada, mas exibida a uma platéia-cobaia, Gillis não contava sua história enquanto flutuava nas águas de uma piscina, mas do interior da sala de um necrotério. Não deu certo: ao ouvir a voz firme e forte do defunto, estendido numa maca, coberto por um lençol branco e com uma etiqueta amarrada no dedão, o público caiu na gargalhada.

Por trás de Crespúsculo dos Deuses, considerado um dos filmes mais importantes da história do cinema, estava a genial figura de Billy Wilder, cujo 100.º aniversário foi comemorado no último dia 22 de junho.

Wilder foi um fenômeno do cinema americano. O cineasta e roteirista foi indicado ao Oscar nada menos do que 21 vezes, tendo conquistado seis estatuetas, duas delas como diretor, por Farrapo Humano (1945) e Se Meu Apartamento Falasse (1960).

Mesmo conhecido como um cineasta extremamente habilidoso para dirigir grandes estrelas, como Marilyn Monroe, Shirley MacLaine e Gloria Swanson, entre tantos outros atores, Wilder jamais desempenhou um papel passivo diante dos mandos, desmandos e caprichos da indústria cinematográfica. Essa postura crítica é especialmente visível em Crepúsculo dos Deuses, no qual Hollywood é retratada com escárnio e crueldade.

Dono de uma vasta e eclética filmografia (são ao todo 26 longas-metragens), Wilder tinha a seu favor a incrível capacidade de transitar com desenvoltura pelos gêneros mais diversos, das comédias rasgadas, como Quanto Mais Quente Melhor (1959), ao noir castiço, representado pelo clássico Pacto de Sangue (1946), considerado um dos títulos fundamentais dessa modalidade cinematográfica, surgida no pessimismo do pós-Guerra.

Morto em 2002, aos 96 anos, Wilder teve o prazer de ver crescer o interesse por sua obra, que passou a influenciar novos diretores e roteiristas, como o norte-americano Cameron Crowe (de Quase Famosos e A Grande Virada), que lançou um livro de entrevistas com o diretor, Conversations with Wilder.

Vida e Obra

De família judia, Wilder nasceu em 1906, em Sucha (antiga Áustria e atual Polônia). À época, sua mãe, assim como milhares de europeus, sentia atração muito forte pela América, a "terra da liberdade". Assim, apesar de seu nome ser Samuel, ela costumava chamá-lo de Billy, porque "soava americano".

Billy Wilder pensava em se tornar advogado, quando decidiu seguir a carreira de jornalista. Já formado, Wilder conseguiu um emprego em um grande jornal de Berlim.

Na capital alemã, começou a produzir alguns roteiros para cinema. Em 1933, quando Hitler chegou ao poder, Wilder foi para Paris, onde ficou por apenas um ano. Durante a Segunda Guerra Mundial, perdeu praticamente toda a família em campos de concentração nazistas. Para sobreviver, fugiu para os Estados Unidos.

Uma vez em Hollywood, Wilder trabalhou em conjunto com o também roteirista Charles Brackett, parceria que durou até a década de 50. Os trabalhos mais premiados da dupla de roteiristas são: A Oitava Esposa de Barba Azul (1938), Ninotchka (1939) e Bola de Fogo (1941).

Em 1942, Wilder e Brackett, na Paramount, conseguiram expandir seus trabalhos. Brackett tornou-se produtor, enquanto Wilder dirigia os roteiros escritos em dupla. Venceram o Oscar de melhor filme, direção e roteiro por Farrapo Humano (1945), que descreve o calvário de um homem alcoólatra (Ray Milland), e melhor roteiro por Crepúsculo dos Deuses (1950). Depois deste último, a parceria foi interrompida.

Wilder seguiu tocando inclusive a produção de seus filmes, roteirizados e dirigidos por ele. Em 1957, co-escreveu o roteiro de Amor na Tarde (1957) com I.A.L. Diamond, que se tornou o seu parceiro em todos os filmes posteriores.

O maior sucesso comercial da carreira do cineasta foi a comédia dramática Se Meu Apartamento Falasse (1960), que ganhou os Oscars de melhor filme, diretor e roteiro. O filme conta de forma ao mesmo leve e tocante as peripécias de C.C. Bud Baxter (Jack Lemmon), um sujeito comum, senão medíocre, forçado a ceder seu apartamento ao chefe (Fred McMurray), que o utiliza como local de encontros com suas várias amantes. Bud acaba se apaixonando por uma dessas jovens, a sensível e suicida Fran (Shirley MacLaine). Ao optar por contar a história de personagens que normalmente seriam meros coadjuvantes, comuns e sem qualquer glamour, Wilder renovou o gênero da comédia romântica, cujo auge havia sido nos anos 30 e 40. Foi mais um entre tantos feitos do mestre agora centenário.

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