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Empresas contam como é a arte de recusar inéditos

A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com as mais importantes editoras do Brasil para comentar o assunto "recusa de originais". Até o fechamento desta edição, apenas a Cosac Naify e a Record se pronunciaram. As demais empresas alegaram que os responsáveis estavam ausentes ou não poderiam responderam.

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"Senhor, Recebemos o vosso manuscrito, que foi examinado com grande interesse por nossa comissão editorial. Infelizmente, cumpre-nos o doloroso dever de vos comunicar que ele não foi selecionado para publicação."

O texto acima faz parte do livro A Arte de Recusar um Original, do escritor canadense Camilien Roy, e é uma versão da carta que editoras de todo o mundo costumam encaminhar a autores junto com os originais recusados.

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A obra, recém-lançada no Brasil, traz uma breve apresentação, em que Roy alerta os autores (sobretudo estreantes) para um fato: haverá recusa. De Marcel Proust a Paulo Coelho, muitos conheceram o "não". Na sequência, há uma série de cartas de recusa, de convencionais a inusitadas (em forma de texto teatral, em branco etc). Naturalmente, trata-se de uma maneira bem-humorada que o franco-canadense encontrou para brincar com a situação.

A partir deste livro, principalmente do título, a reportagem da Gazeta do Povo entrevistou autores brasileiros, alguns consagrados, outros restritos a circuitos alternativos. Todos, sem exceção, em algum momento encontraram as portas do mercado editorial fechadas – o que revela que a percepção de Roy encontra ressonância em todo o mundo, e não apenas no Canadá, país onde ele vive.

Inevitável

Cristovão Tezza, colunista da Gazeta do Povo, e o autor brasileiro mais premiado em 2008, já teve originais recusados. Em abril de 1970, Caio Graco Prado, então editor da Brasiliense, enviou uma carta comentando, criticamente, o primeiro romance de Tezza, segundo o próprio autor, "um texto imprestável". Uma década e meia depois, o próprio Prado iria editar Trapo, romance que havia sido recusado por quatro editoras e que também perdeu dois concursos.

O gaúcho Fabrício Carpinejar, autor de 13 títulos, um dos poetas contemporâneos mais festejados do Brasil, teve o seu segundo "rebento" recusado pela casa editorial que o publicava. "Veio a solidão, pisar em chamas, suportar a desvalia. A recusa me fez escrever loucamente para não incomodar os outros com a minha tristeza." Ele veria Biografia de uma Árvore, a obra rejeitada, nas gôndolas e vitrines de livrarias pouco tempo depois. Os depoimentos de Tezza e Carpinejar apontam para uma constatação: ser recusado não é exceção, antes, uma regra.

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O pernambucano Marcelino Freire, que ganhou o Prêmio Jabuti em 2006, com o livro Contos Negreiros, debutou a partir de uma recusa. "Eu mesmo resolvi fazer os meus livros, desde que ouvi um ‘não’, um único ‘não’, lá em Pernambuco."

Uma década depois, já em São Paulo, onde vive, o acaso levou o livro Angu de Sangue, que iria ser publicado de forma independente, à Ateliê Editorial. Os trilhos urbanos fariam de Marcelino Freire uma espécie de grife literária. Hoje ele está na Record, que lançou (em edição luxuosa), além de Contos Negreiros, Rasif, Mar Que Arrebenta – livro dedicado ao escritor paranaense Jamil Snege (1939-2003).

Os cinco títulos do escritor paulista Ronaldo Bressane – entre os quais, O Impostor (poemas) e Céu de Lúcifer (contos) – foram rejeitados por grandes editoras. "Devo ter recebido umas 30 recusas ou silêncios, já nem me lembro", diz. O paranaense radicado em Santos Ademir Demarchi, autor de quatro obras de poesia, também colecionou "nãos" de grandes selos editoriais. "Mas eu sabia que a tentativa era inútil, pois as editoras não publicam poesia, não usam seus departamentos de marketing para vender, a não ser o que está instituído", analisa.

Dois lados do balcão

Roberto Gomes, colunista da Gazeta do Povo, conhece os dois lados deste negócio. Autor de vários livros, de romances a obra de Sociologia, também fez trajetória como editor. À frente da Criar Edições, que já publicou mais de 50 títulos, em duas fases (de 1982 a 1989 e de 2000 a 2009), tem uma definição um pouco cruel sobre o ofício: "Ser editor é a forma mais fácil de se conseguir inimigos. E falsos amigos. Mas é também uma forma de conviver com gente da mais alta qualidade."

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Ele não tem pudor ao dizer que cansou de recusar originais. "Não devemos ter ilusões. A maioria deles (originais) nem vale a pena ler, é triste dizer isso. São equívocos, coisas toscas, de aprendiz ou de quem não sabe o que está fazendo", carimba. Mas, pondera Gomes, "é preciso ter cuidado, sempre é possível que, naquela pilha de originais, possa haver um Proust ou ao menos um escritor que promete".

A exemplo do que dizem em relação ao preenchimento de vagas no mercado de trabalho, Gomes garante que para ter um livro publicado em uma grande editora o que vale é o "QI" (quem indica). Ele mesmo, já editado por conhecidos selos, conta uma história, muito repetida por Jamil Snege, que merece ser reproduzida na íntegra:

"Reza a lenda que há alguns anos, um sujeito enviou um original a várias editoras brasileiras, sete ou oito delas, escolhidas entre as de maior prestígio, todas do eixo Rio-São Paulo. Recebeu duas cartas de recusa, daquelas que o editor já tem um modelo no computador e que diz que o original em questão não se encaixa na linha editorial etc. Outras cinco editoras nem se deram ao trabalho de responder. Nenhuma dessas sequer leu os originais. Mas uma delas – aliás, uma de grande porte e muita pose e perfumaria – respondeu dizendo que o livro deveria ser reescrito, repensado e, se o autor desejasse, apresentado em outra ocasião. Pois bem, o original era A Casa Velha, de Machado de Assis, que o gaiato enviara para denunciar o descaso das editoras. Foi um escândalo."

Seguir, andar

Se a recusa é um fato que está à espera de todo autor em algum ponto da vida, como reagir ao inevitável? "Uma recusa não é o fim do mundo. Ter cabeça fria, evitar se defender com alguma ‘teoria conspiratória’, reavaliar o próprio texto e tentar de novo com muitas editoras." A recomendação é de Cristovão Tezza. Evitar a "mania de perseguição" e procurar outras casas editoriais também é a dica de Carpinejar, que ainda sugere: "Não encarnar o coitadismo e o papel de gênio incompreendido, muito menos cantar Antonio Maria: ‘Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire’".

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Ronaldo Bressane é mais "curto e grosso": "Se vire, que você não é caixote." E, quem quiser rir um pouco, basta folhear as 142 páginas de A Arte de Recusar um Original e se deliciar com as opções que Roy fez para como uma empresa editorial pode dizer não a um autor.

Serviço

A Arte de Recusar um Original. Camilien Roy. Rocco. 144 págs. R$ 24.