| Foto: Divulgação

O cantor Sérgio Reis é um dos mais conhecidos e respeitados nomes da música sertaneja, tido como um autêntico representante da canção caipira tradicional. Mas seu primeiro sucesso surgiu em um contexto bem diferente do universo rural: "Coração de Papel", de 1967, era um hit da jovem guarda. Foi após um período de esquecimento que acompanhou o declínio daquele estilo musical que Reis encontrou seu espaço definitivo na música brasileira. O passaporte para o retorno ao sucesso foi a canção "O Menino da Porteira", que levou Sérgio Reis a adotar a identidade de cantor sertanejo – não sem carregar para a música rural os ares de modernidade do estilo em que estreou.

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Para o historiador Alessandro Cavichia Dias, mais que um caso de sucesso na indústria da música, o movimento de Sérgio Reis pode ser visto como um episódio chave na trajetória da música sertaneja até os dias de hoje. O pesquisador, que atualmente estuda o tema para a sua dissertação de mestrado no programa de pós-graduação em história da Universidade Estadual Paulista (Unesp), aponta Sérgio Reis como o marco da transformação da música caipira – até então limitada a duas vozes, viola e violão – na música sertaneja moderna que domina as paradas brasileiras desde a década de 1990.

Por que Sérgio Reis?

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Minha pesquisa é a primeira a respeito do Sérgio Reis. As pesquisas sobre música sertaneja são poucas. As que existem são importantes, mas são muito pouco. Eu estava buscando algo diferente na música sertaneja, alguém que fosse um marco na sua modernização. Cogitei Milionário e José Rico, mas eles diziam que o que faziam era "modão". A música de Léo Canhoto e Robertinho era mais próxima do country americano. Na minha hipótese, defendo que para o sertanejo romântico da década de 1990 existir precisou ocorrer uma junção entre o rock romântico da jovem guarda com a música caipira. E quem fez essa junção foi o Sérgio Reis, aproveitando toda a estrutura tecnológica da jovem guarda. Mas não há na academia um consenso sobre quando aconteceu a divisão entre a música sertaneja e a caipira.

Existe uma continuidade entre a modernização feita por ele e a música sertaneja de hoje?

Existe. Sérgio Reis hoje é visto como tradicional. Mas você consegue enxergar essa linha. Quando ele inseriu novos elementos no arranjo da música caipira e obteve sucesso, se tornou importante. Se ele não tivesse obtido sucesso, outros artistas não teriam gravado dessa forma. Isso permitiu que as gravadoras investissem em nomes que seguiram a mesma linha, como o Trio Parada Dura, Cezar e Paulinho, Leandro e Leonardo e Zezé di Camargo e Luciano, que começam nos anos 1980.

Como se deu a transformação de Sérgio Reis?

Não foi uma coisa abrupta. A transformação de cantor da jovem guarda para cantor de música rural foi lenta, tateando o mercado. Nos primeiros discos em que ele gravou música sertaneja, em 1973 e 1974, ele não posou com indumentária típica na capa do disco [confira a transformação na sequência de capas acima], manteve indumentária de cantor jovem. A partir do sucesso de "Menino da Porteira" e "João de Barro", ele e o produtor resolvem fazer a transformação. O produtor dele afirma: "agora vai ter que assumir essa pinta de vaqueiro texano". No disco de 1975, ele já escolhe um repertório puramente sertanejo e aparece com a pinta de vaqueiro, com chapéu de couro, camisa e lenço no pescoço.

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Como vê o reconhecimento de Sérgio Reis como cantor de música caipira tradicional?

Há algo interessante que ele sempre faz pra se legitimar: escolhe canções que são clássicos indiscutíveis. E convida músicos como Renato Teixeira, que sempre foi um símbolo da música caipira legítima, e alia a imagem dele à sua. O título de tradicionalista de Sérgio Reis vem desse resgate que ele faz. A crítica e os intelectuais da MPB não o entenderam como alguém que estava corrompendo a música caipira. Pelo contrário, entenderam que ele a estaria resgatando. Só que mesmo nessa história há cisões: Rolando Boldrin, quando apresentava o Som Brasil [programa na TV Globo], não considerava o Sérgio Reis tradicional. Achava que ele corrompia a música caipira e criticava a indumentária dele, porque, segundo Boldrin, o caipira usa chapéu de palha, não chapéu texano. E ele acabou não se apresentando no programa até 1984.