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Ludwig II tornou-se rei da Bavária (hoje região no sul da Alemanha) em 1864, aos 19 anos. Seu governo foi errático, senão leviano, até que ele fosse declarado "oficialmente insano", o que ocorreu três dias antes de seu suicídio, em 1886. Dado a excentricidades, o monarca não entrou para a história como um homem bom e generoso, muito pelo contrário. Mas deixou alguns poucos legados à posteridade. Amigo e protetor do compositor Richard Wagner (de óperas como Tristão e Isolda), foi o maior patrocinador de sua obra. Também construiu alguns dos castelos mais originais do século 19, incluindo o famoso Neuschwanstein, verdadeiro templo ao desperdício de dinheiro público a sua época, mas hoje um dos pontos turísticos mais visitados da Alemanha.

Foi precisamente essa personalidade singular e extravagante de Ludwig o que mais fascinou Luchino Visconti, mestre do cinema italiano que, como poucos, soube retratar o lado sombrio e decadente da aristocracia européia.

Ludwig – A Paixão de um Rei, recém-lançado em uma luxuosa edição dupla em DVD pela Versátil, traz uma visão muito interessante da trajetória do rei bávaro. O diretor, intencionalmente ou não, transforma a vida do monarca em uma espécie de ópera – vale lembrar aqui que o cineasta milanês também foi um dos nomes mais importantes desse gênero de teatro.

Ao invés de focar em aspectos que poderiam revelar traços humanos e menos bizarros da personalidade de Ludwig II, Visconti toma o caminho oposto. Concentra-se em seus excessos: o gosto duvidoso e superficial pelas artes e arquitetura; a obsessão por doces, que eventualmente lhe causou problemas dentários irreversíveis; e, especialmente, seus inúmeros casos amorosos com homens de todas as estirpes, de empregados a nobres, passando por soldados e atores.

Vê-se Ludwig (Helmut Berger, de Violência e Paixão) em um verdadeiro périplo de depravação. Desde as primeiras cenas, quando o personagem adia sua cerimônia de coroação para beber champanhe em uma espécie de cálice gigantesco, o filme revela, denuncia. O rei é visto espionando seus serviçais banhando-se nus no lago do palácio real e, no último terço do épico, chega ao extremo de participar, como protagonista, de uma grande orgia por ele protagonizada.

Numa opção interessante, Visconti faz questão de retratar os personagens da realeza de maneira algo cômica, bufa mesmo. É como se estivesse disposto a expor o lado mais ridículo dessa classe social, desdenhando da aura de etiqueta e sofisticação que se espera de "pessoas de sangue azul". Até mesmo a bela e talentosa Romy Schneider, que revive a imperatriz Sissi (Elizabeth) da Áustria, o faz em tom de discreto deboche em relação à série de filmes românticos que a lançaram como estrela internacional.

Mais do que realizar um filme histórico per se, o cineasta, ele mesmo descendente de nobres, utiliza-se da história propositalmente exagerada de Ludwig como uma espécie de parábola sobre o caráter embriagante e perverso do poder. De uma certa forma, como já havia feito de forma mais literal em Deuses Malditos, Visconti também fala da jornada infernal imposta à Alemanha e ao resto da Europa pela insanidade do regime nazista. Outro alvo de seu filme é o lado obscuro e destrutivo da família, outro tema recorrente na obra do diretor. Sobretudo, o autor de obras-primas como O Leopardo e Morte em Veneza permite ao espectador mortal, que jamais freqüentou os salões da nobreza, uma incursão algo assustadora, mas sempre intrigante, a esse mundo de pompa e circunstância. GGGG

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