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Você provavelmente nunca ouviu falar de Marco Mazzola. Mas com certeza sabe cantar ao menos um trecho de canções como "Caçador de Mim" (de Milton Nascimento), "Gita" (Raul Seixas), "Papel Machê" (João Bosco), "Realce" (Gilberto Gil) e "Apenas um Rapaz Latino-Americano" (Belchior). Além de serem clássicos da música popular, esses temas têm outra característica em comum: foram produzidos justamente por Mazzola, um dos maiores nomes dos estúdios de gravação brasileiros.

Aos 56 anos, e três décadas de carreira recém-completadas, o agora dono da gravadora MZA acaba de lançar um CD duplo comemorativo. MPBZ traz nada menos do que 30 hits absolutos, todos assinados por Mazzola e interpretados por astros do primeiro time. Chega a espantar a quantidade de sucessos que leva a grife do produtor: "Aquarela" (Toquinho), "Deu pra Ti" (Kleiton e Kedir), "De Volta pro Aconchego" (Elba Ramalho), "As Vitrines" (Chico Buarque), "London, London" (RPM), "Dancin’ Days" (Frenéticas)... Dos medalhões da MPB, ele só não trabalhou com Roberto Carlos e Maria Bethânia.

Sua marca registrada é uma certa limpeza sonora, que torna as músicas igualmente palatáveis para o grande público e ouvidos mais refinados. Sem contar a habilidade de satisfazer tanto os artistas quanto os executivos das gravadoras (Mazzola, aliás, também exerceu esse cargo em praticamente todas as multinacionais do ramo instaladas no país). "Você tem de ser um psicólogo, deve escutar mais do que falar. Se diz alguma coisa para o artista no momento errado, pode pôr tudo a perder. Até porque quem sobe ao palco é ele, e não você", ensina.

Além da psicologia, Mazzola acrescenta outras qualidades ao perfil do bom produtor: bagagem musical, organização, equilíbrio, sorte e intuição. Esta última, talvez o grande diferencial, para ele é a capacidade de captar no ar uma idéia. "É um arrepio, uma pressão que bate no peito. Como se alguma coisa estivesse querendo te dizer aquilo. Às vezes, eu acordo de madrugada só para anotar algo que me vem à cabeça", revela.

Jovem Guarda

Falando assim, Mazzola até parece uma daquelas figuras 100% intuitivas. Nada disso. Sua formação é sólida e começou ainda na infância, quando o garoto pobre do subúrbio carioca de São Cristóvão entrou para o grupo vocal Pequenos Cantores da Guanabara. Na adolescência, período de mudança de voz, continuou envolvido com música, dessa vez tocando trompete na banda do colégio. "Você não esquece as coisas que aprende quando é bem novo. Foi nessa época que eu aprendi a ler partitura e treinei meu ouvido", conta.

Anos mais tarde, o futuro produtor resolveu explorar os bastidores, atuando como técnico de som da banda de baile The Pops, no auge da Jovem Guarda. Estudava em uma escola técnica e, de tanto colaborar nas gravações do conjunto, foi convidado a trabalhar como auxiliar de estúdio. Logo recebeu uma proposta de emprego na gravadora Phillips (atual Universal), que o ajudou a se especializar nos Estados Unidos. "Eles deram a passagem e eu completei o dinheiro vendendo o meu fusca. Fui para Los Angeles, onde aprendi a operar uma mesa de gravação de 24 canais, quando aqui no Brasil só havia as de quatro", lembra. Em 1974, surgiu a oportunidade de assinar a primeira produção: Atrás do Porto Tem uma Cidade, LP de estréia de Rita Lee como solista (leia quadro).

A partir daí, Mazzola não parou mais. Trabalhou com Deus e o mundo, ajudou a criar a noite de música brasileira do famoso festival suíço de Montreaux e somou quase 50 milhões de discos vendidos. Há dez anos, deu uma guinada radical em sua trajetória: montou a própria gravadora, MZA, em plena febre da tríade pagode-sertanejo-axé.

Nadando contra a corrente, o produtor apostou em dois nomes desconhecidos da vanguarda emepebística do período: Zeca Baleiro e Chico César. "Achava que aquela onda de música dançante era só um estado de espírito que o país estava vivendo por conta da estabilidade econômica. Mas a música que fala ao pé do ouvido estava sendo abandonada, e senti que tinha de cuidar disso", explica Mazzola, que estava certo sobre suas previsões.

Pequeno e ágil

Chico César vendeu 300 mil unidades apenas de seu primeiro CD pela gravadora, enquanto Baleiro já construiu um catálogo de discos que ajuda a sustentar a empresa. Mas, como manter os negócios em alta em meio à tão discutida crise do mercado fonográfico? De acordo com Mazzola, a receita é trabalhar com uma estrutura pequena e ágil. "Em uma grande companhia, nenhuma decisão leva menos de um mês para ser tomada. Os executivos chegam às 11 horas, vão almoçar lá pela uma e só voltam às quatro. Aqui, não, a gente chama todo mundo e resolve as coisas na hora", garante.

A "euforia" dos anos 90 acabou em depressão, com gravadoras unindo forças para não ruir e a pirataria abocanhando mais da metade do mercado. Tudo isso sem considerar o "pepino" da distribuição de arquivos pela internet (ainda não descascado pela indústria) e a viciada prática do "jabá" – propina paga às emissoras em troca da execução de músicas. "É um problema que parece não ter volta. As gravadoras realmente compram espaço nas rádios, com nota fiscal e tudo", critica.

MZA

Para driblar o também chamado "jabaculê", a MZA desenvolve estratégias de divulgação alternativas, a exemplo do mais recente CD de Zeca Baleiro, Baladas do Asfalto. Como as músicas do cantor não tocam no rádio, a companhia decidiu investir em uma turnê promocional por dez capitais. O artista passa três dias na cidade, participando de entrevistas, tardes de autógrafo e pocket-shows. O resultado da empreitada surpreende: cerca de três mil cópias vendidas em cada localidade. Por essas e outras, é cada vez mais comum a transferência de grandes nomes da MPB para os selos independentes. "O artista sente que é melhor fazer seu trabalho de forma mais artesanal", acredita.

Empenhado no crescimento de sua gravadora, que por enquanto engatinha no mercado, Mazzola ainda encontra tempo para produzir artistas de outras companhias e trabalhar em projetos especiais – como a recuperação dos arquivos audiovisuais do primeiro Rock in Rio (1985), para lançamento em DVD. Trata-se de uma tarefa complicada, que, passados 20 anos do evento, ninguém havia tentado encarar. "Mas comigo é assim mesmo, estou sempre na contramão", diz. Ousadia, esse artigo tão em falta na indústria do disco, é com ele mesmo.

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