Serviço
A Lenda do Santo Beberrão
Joseph Roth. Tradução de Mário Frungillo. Estação Liberdade, 80 págs., R$ 22. Romance.
A um mendigo alcoólatra, que vaga pelas ruas de Paris e dorme sob as pontes do Rio Sena, chega certa noite um desconhecido e diz: "Posso ver que o senhor comete alguns erros, mas Deus o pôs no meu caminho". O homem oferece, então, uma grande quantia em dinheiro (200 francos) ao sem-teto.
Apesar de viver em franciscana miséria, o andarilho reluta em aceitar e logo se percebe que ele nutre valores sólidos de idoneidade e retidão mesmo naquelas condições de vida. Sua relutância é vencida após garantir que vai restituir a quantia não diretamente ao seu benfeitor, mas à Igreja de Santa Terezinha de Lisieux, no prazo de uma semana.
Com essa cena, e em um tom que mistura fábula e parábola, começa a novela A Lenda do Santo Beberrão, do escritor Joseph Roth, que está sendo relançada pela Estação Liberdade.
O autor, menos lido no Brasil do que merecia, nasceu em 1894, em uma família judaica de Brody, cidade que hoje faz parte da Ucrânia. Mudou-se para Berlim, onde foi estrela do jornalismo e autor de romances de sucesso, como A Teia de Aranha (1923) e Hotel Savoy (1924). Com a ascensão do nazismo, Roth se exilou na França,
Este texto é considerado um testamento do autor, pois a exemplo do vagabundo iluminado de sua novela, Roth, em suas fases alemãs e francesas, também preferia peregrinar por hotéis, bordéis e casas de amigos em diferentes países a manter um lar definitivo. E também teria a bebida como acompanhante até o fim de seus dias.
A Lenda do Santo Beberrão foi concluído e entregue em 1939, poucos meses antes da morte do autor. No texto, Roth faz uma crônica dos angustiantes tempos entre guerras na Europa. A Paris dos mendigos do escritor é um retrato do continente assustado, sem fronteiras, cheio de personagens surreais. O desterro do mendigo era o mesmo de milhões de judeus como Roth naquela época.
Milagres
Não é apenas isso. A partir daquele primeiro evento em que o desconhecido lhe estende a mão, em um período de poucos dias, a vida desse andarilho que as poucos vai recobrando sua identidade e seu passado parece ser tomada, de súbito, por uma série de eventos inexplicáveis, que a ele parecem óbvia e miraculosa intervenção divina.
Porém, nas mãos do doce e sonhador Andreas, aquela dinheirama súbita que lhe cai às mãos vira vendaval: uma dose de pernod enquanto espera acabar a missa vira facilmente uma maratona alcoólica de dias com amigos desconhecidos, criados nos balcões da primeira taverna aberta.
Ainda assim, o estoque de milagres parece ter se tornado inesgotável e surgem com outros inusitados personagens, que cruzam seu caminho, sempre o "obrigando" a protelar a quitação de sua dívida.
Toda essa caminhada do mendigo deixa uma mensagem obviamente cristã. Roth fala da possibilidade de construção de caminhos iluminados mesmo nas situações mais adversas.
A narrativa é brilhante, e mesmo as altas doses de humor e ironia, não tiram a delicadeza fabular e pungente que o autor emprega para evocar alguns dos sentimentos perdidos da condição humana, notadamente a bondade, a inocência, a gentileza e, principalmente, a fé.
Uma pequena e esquecida obra-prima, que já foi adaptada para o cinema com grande felicidade pelo diretor italiano Ermano Olmi. Com o holandês Rutger Hauer no papel do mendigo, o filme venceu o Festival de Veneza em 1988.
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