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Macho não ganha flor. Dalton Trevisan de livro novo.

Ora.

Harold Bloom gosta de lembrar que é geralmente em um período que pouco excede uma década que os autores produzem sua obra mais poderosa. Depois disso eles tendem a perder algum vigor criativo, podem se perder na reprodução de formas (caso optem pelo mais fácil) ou chegam a simplesmente perder impacto. Amornam.

E isso nem precisa ter que ver com idade. Saramago viveu seu apogeu entre os 60 e os 70 e poucos.

Mas o que essa idéia definitivamente não leva em consideração é a astúcia do herói desta narrativa.

Se o senhor Trevisan apareceu já há décadas como uma força, uma influência, um modelo e uma régua para gerações de leitores brasileiros, era afinal bem possível imaginar que ele sentasse na glória e não mais incomodasse.

Mas não.

O que ele viu foi uma forma de fazer a repetição se transformar em sua arte.

Jamais se poderá dizer que Dalton Trevisan se reduziu a repetir suas fórmulas. Porque o que ele desenvolveu foi uma técnica que lhe permitiu explorar até o fundo a possibilidade de viver essa repetição, de sublimar seus temas, seus tempos e seus textos, de refinar sua ficção.

E, convenhamos, não há necessidade de se recorrer a altas teorizações (depois de feita a coisa a coisa é mole, neguinho..) para reconhecer que esse processo como que representa na forma literária o sendestino, o rodaremfalso de seus personagens, de sua cidade e, porque não?, de seus leitores. Homens como ele que, como Terêncio (ei, escritor, olha um nome bom para um João!), confessa neste livro ser apenas humano, e não poder considerar que nada de humano lhe seja estranho.

Retratando um mundo oco, sujo, feio, desanimador e (não se engane) normalíssimo, o escritor que levou em seus primeiros contos clássicos a escrupulosa crueldade do estilo de Dublinenses a encontrar sua melhor realização em nossas terras (Trevisan foi o primeiro curitibano a traduzir Ulysses!), levou também em sua produção posterior ao extremo a máxima máxima do mago Joyce (santo de nossa devoção, presumo): que teu método espelhe teu tema.

E a epifania do miniconto nos anos 90 mostrou o quanto ele tinha razão. Mostrou ainda quanto ele estava além dos outros contistas. E, mais ainda, mostrou o quanto ele se transformava no autor de uma meta-comédia-humana. Dalton Trevisan, o miniaturista, fazia sentido para qualquer leitor, mas só fazia pleno sentido para o leitor de Dalton Trevisan, o contista. Ele se repolia e se recriava, se reevocava sem em qualquer momento se diluir.

E ele agora passou dos 80. Teria muito bem podido ficar quietinho se reescrevendo e ouvindo elogios como esses. E xingamentos também. Que viriam. E que seriam também eles repetidos.

Mas não.

Nos anos 00 ele se espevitou todo diferente de novo.

E em 06 o desgracido me vem com mais essa.

Um livro de contos em que tudo aquilo está presente. Em que a recursividade premia o releitor mas a forma menos telegráfica acolhe melhor o recém-chegado, em que aquela subversiva reelaboração da oralidade em que ninguém fala como alguém de fato fala, mas todos falam como todos poderíamos, revive um verdadeiro festim para ouvidos atentos. Um livro, novo, em que seu senso de humor cruel se regozija com a mais juvenil verve sobre um mundo feio, oco e sujo que é o meu e o teu de cada dia.

Mas que acima de tudo é o nosso familiar mundo do senhor Trevisan.

O Evangelho segundo Dalton.

E, quer saber?, você não precisa confiar em mim.

Leia o primeiro conto (pequeninho) e me diga se alguém tem mais força na literatura, por aí.

Leia o antepenúltimo e me diga se alguém é mais engraçado, mais pungentemente doloroso na humilhação dos mesquinhos, se alguém é mais safado e sacana nas letras que temos.

Olha, quer mais? Leia a orelha. Só a orelha. E me diga se alguém por aí tem essa altura.

Macho não ganha flor. Macho rouba calcinha.

E me diga se esse mardito tem mais de 25 anos de idade?

Serviço: Macho Não Ganha Flor (Record, 126 págs., R$ 24,90).

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