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O que é felicidade? Como encontrá-la se nem sabemos o que exatamente ela é? Para facilitar as coisas, um expoente da Psicologia Positiva, o norte-americano Ed Diener, criou uma definição que pode ser traduzida num esquema bastante didático: "Felicidade é a predominância dos afetos positivos sobre os afetos negativos ao longo do tempo". Os afetos positivos: altivez, alegria, prazer, tranquilidade, afeição, orgulho, êxtase, solidariedade. Os afetos negativos: culpa, vergonha, tristeza, ansiedade, irritação, temor, estresse, depressão, inveja. O esquema: fazer os do primeiro grupo se sobreporem aos do segundo pelo maior tempo possível.

Pesquisador da consciência crítica, o psicólogo Laênio Loche observa que as pessoas tendem a falar sobre os fatores que promovem a felicidade como se eles fossem a própria. "A felicidade não está relacionada a uma carga emocional", esclarece. Um torcedor pode ser infeliz mesmo vibrando com o título do campeonato. "Não basta ter picos de alegria, é preciso ter uma constância dos afetos positivos", explica Loche. Mesmo uma jo­­vem que chore três dias a perda do namorado pode ser considerada feliz se no decurso de um tempo maior predominar os afetos positivos.

Para melhor compreender a felicidade, outro psicólogo, da Universidade da Pensilvânia, a dividiu em três: prazer, engajamento e significado. O prazer, mais fácil de explicar, se manifesta quando fazemos ou sentimos algo que nos faz bem. O engajamento pode ser medido pelo quanto nos envolvemos com nossa existência, como quando participamos de forma ativa da vida e nos dedicamos de maneira intensa ao que fazemos. O significado, por sua vez, está relacionado à sensação de que nossa vida faz parte de algo maior.

Ao fracioná-la, Martin Seligman concluiu que costumamos concentrar nossa busca pela felicidade num só dos três pilares, negligenciando os demais. A opção mais recorrente, também cômoda, geralmente é o prazer. Não por acaso, é dessa faceta da felicidade que mais recebemos estímulos externos, da mídia em particular. Para ser feliz você precisa dirigir este carro, vestir esta marca, usar este xampu, ser igual a estas pessoas. Ok, o prazer é efêmero, e não é bom se acomodar só nesse terço da felicidade, mas também não é recomendável bus­­cá-la em apenas um dos ou­­tros dois.

No caso do engajamento, há quem se entregue por completo a um romance, ao trabalho, à família, à caridade. E pode sofrer por ignorar os outros dois braços da felicidade, sobretudo o prazer. Já o significado se nos apresenta em geral por meio da religião. Crer que fazemos parte de uma ordem maior vira alento para mitigar as mazelas diárias. Dá certo conforto acreditar que, no fim de tudo, um ente supremo reconhecerá nosso esforço e corrigirá as injustiças. Tudo um dia vai se resolver. Não por acaso, pesquisas indicam que pessoas religiosas tendem a ser mais felizes.

Como se vê, sentar num banco de uma ou de duas pernas dá certo por um instante, mas a queda virá. Felicidade de uma perna só é efêmera, de duas é instável, de três é ideal. Pela fórmula de Seligman, ser feliz requer prazer em boa medida, sem precisar se anular por uma boa causa nem se enfurnar numa igreja. Alternativa bastante eficaz é praticar o bem, como colaborar na festa da comunidade, visitar um asilo, fazer serviço voluntário, ajudar entidades de caridade. Seligman mediu a bondade em laboratório e assegura que ela melhora nossos níveis de felicidade.

O significado que nos fará feliz pode estar na realização ou participação de algo que sobreviva a nós. Não se trata de apenas criar filhos, mas de deixar um legado, seja uma obra ou um exemplo de vida. Também ajuda atribuir importância a si mesmo, ver-se inserido numa grande causa, em favor da natureza, das causas sociais, da educação, da ciência, da liberdade.Seligman buscou na ciência essa comprovação ao fracionar a felicidade para melhor compreendê-la. Quem conhece a si mesmo tem mais clareza sobre que tipo de atividades lhe traz prazer, engajamento e significado. Algumas irrompem avassaladoras, segundo estudo do húngaro Mihaly Csikszentmihalyi (pronuncia-se chics send me haig), da Universidade de Chicago (EUA). Ele estuda o que se passa no cérebro quando a pessoa se entrega a uma atividade a ponto de esquecer todo o resto.

O fenômeno, chamado de "fluxo", consiste em buscar atividades que se impõem como desafio, o que traz altos níveis de felicidade. Pode ser no trabalho, um hobby, uma atividade manual ou intelectual e mesmo um esporte. Para quem não se acha em condições de praticar esporte, não é dado ao altruísmo nem ao engajamento, ainda há um caminho para a felicidade: cultivar amigos. Aristóteles já ensinava: "Ninguém pode ser feliz sem amigos". Mesmo para quem não se dá conta disso, eles trazem prazer, engajamento e significado para nossas vidas.

A felicidade tem motivado elaboradas discussões filosóficas desde os primórdios do pensamento humano. Os primeiros pensadores já se debatiam em explicações. O filósofo André Comte-Sponville trata disso no livro "A felicidade, desesperadamente". Ao contrário do que pode sugerir o título, ele propõe uma felicidade sem a angústia da busca, simplesmente uma felicidade que chega sem se esperar. Alerta para o risco de depositarmos no futuro a esperança de que um dia algo aconteça para nos fazer felizes. Esperar demais é danoso e para ele a felicidade é o estado de espírito de quem não espera nada e desfruta o momento presente.

Ninguém é obrigado a ser sempre feliz. Nos dias atuais, de ostentação, tristeza está associada ao fracasso e felicidade virou obrigação. No entanto, elas são combustível uma da outra. O sofrimento, por seu caráter inevitável, nos ajuda a buscar algo melhor. Fossemos sempre felizes, não haveria motivo para mudar nada e estaríamos fadados à estagnação. Portanto, a vontade de mudar o estado de coisas e o desejo de termos o que nos falta é que nos empurra para frente. Ansiedade, portanto, não é de todo mal. A diferença entre uma pessoa e outra está no que cada uma faz com a sua.

O efeito dos antidepressivos, paliativo muito recorrente, dura só até o próximo comprimido. Para essas ocasiões há caminhos melhores. Para Sponville – e antes dele Nietzsche, Espinosa e Montaigne –, a filosofia nos ajuda a pensar sobre nós mesmos e a viver nossos pensamentos. Quando desenvolvemos sabedoria tornamo-nos capazes de discernir sobre a verdade das coisas que nos cercam e, por consequência, o que nos faz felizes. Já a psicanálise ajuda a resgatar dos labirintos do inconsciente a explicação que está em nós.

A reflexão que uma e outra possibilita ajuda a identificar as causas das aflições e nos leva ao autoconhecimento, que por sua vez nos leva a compreender os porquês das coisas. É um jogo de retroalimentação dentro de nós mesmos. Nem sempre é preciso deitar-se no divã ou meter-se entre filósofos para pensar sobre nossas próprias coisas, mas os profissionais dessas áreas nos ajudam a interpretar melhor aquilo que nos diz respeito.

A auto-análise desenvolve a coragem da autocrítica e o compromisso de melhorar a própria vida e a dos outros. Na opinião de Sponville, quem busca a verdade dentro de si mesmo, e não naquilo que os outros impõem que faça ou deseja, está mais perto de se libertar das ilusões e esperanças tolas. Quais sejam: a ilusão de que se é mais feliz quanto mais se consome e se acumula bens.

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