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Na maldade, há quem diga que Jonathan Safran Foer dá palpites nos textos da mulher, Nicole Krauss. Nada mais absurdo. Pelas qualidades que ela tem – escrita madura e senso de humor apurado – soaria sensato se ele fosse buscar a opinião dela. A prova da supremacia feminina na família Krauss-Foer é A História do Amor (Tradução de Paulo Schiller. Companhia das Letras, 320 págs., R$ 45). Embora não seja um romance de humor, tem momentos hilários pontuando o texto sobre a nostalgia e a desilusão de imigrantes vivendo na América.

A narração é compartilhada por quatro personagens. Todos, em princípio, levam vidas independentes uns dos outros. Há um livro escrito por um judeu polonês, em que trata do amor, abandonado na Polônia quando o país foi invadido por nazistas. Nunca ninguém o leu, mas a obra ressurge para marcar as vidas dessa quadra de personagens.

Nicole é quatro anos mais velha que Safran Foer, mas ele é mais famoso. Tornou-se milionário aos 21 anos de idade, quando vendeu os direitos de seu primeiro livro, Tudo Se Ilumina (2002), incensado por meio mundo, inclusive Salman Rushdie, Joyce Carol Oates e John Updike. No ano passado, publicou Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, que a Rocco promete lançar no Brasil em julho com tradução do escritor Daniel Galera (Mão de Cavalo). Não por acaso, será um pouco antes da Festa Literária Internacional de Parati (Flip), programada para acontecer entre 9 e 13 de agosto. A organização do evento já confirmou a vinda do casal do momento nas letras americanas.

No cinema, Tudo Se Ilumina virou Uma Vida Iluminada (em português) e Liev Schreiber foi o responsável por adaptar o livro que muitos consideravam impossível de ser levado às telas. Nicole vem colada no marido e Uma História do Amor deve chegar aos cinemas no ano que vem, sob a direção do mexicano Alfonso Cuarón (E Sua Mãe Também). A exemplo do que aconteceu com o romance de Safran Foer, o de Nicole também pode sofrer um bocado para virar filme. Muitas das qualidades de ambos os escritores está na forma do texto – em todas as sacadas que conseguem criar para dar voz aos personagens.

Nas primeiras 50 páginas de A História do Amor, o leitor fica conhecendo o judeu polonês Leopold Gursky. Chaveiro aposentado e solitário que sustenta um pacto não-verbal com seu vizinho de cima, Bruno, que também vive sozinho. Eles lançam mão de uma série de desculpas esfarrapas – como pedir farinha mesmo sem saber cozinhar – só para monitorar se o outro está vivo e bem. Gursky é autor de um livro sem título que mantém guardado no forno. "Eu nunca lhe dera um título, pois de que serve o título de um livro a não ser que alguém o leia?" Certo dia, ele senta diante de uma página em branco e dá ao seu manuscrito o nome de "Palavras para tudo".

Além de Leo Gursky, há Alma Singer (o sobrenome é talvez uma referência ao escritor Isaac Bashevis Singer, um dos heróis de Nicole, assim como o é Isaac Bábel), filha de uma tradutora que passa os dias de pijama, espalhando páginas de textos pela casa. Alma perdeu o pai para um câncer de pâncreas. Quando a doença foi diagnosticada, ela tinha apenas seis anos. "Ele gostava de cozinhar e de rir e de cantar. Era capaz de fazer fogo com as mãos, consertar coisas quebradas e explicar como lançar coisas no espaço, mas morreu em nove meses."

Humor

Safran Foer criou Alexander Perchov, um ucraniano de inglês macarrônico que troca cartas com o narrador de Tudo Se Ilumina, homônimo do autor. O jovem europeu oriental escreve relatos com frases formadas a partir de dicionários, que rende afirmações como "a vida é rígida" ao invés de "a vida é dura", ou "fiquei uma pessoa com cócegas" no lugar de "fiquei feliz". As piadas, em português, perderam um pouco da graça. E lá pela página 137 (das 368 que o livro tem), a história do estrangeiro que não domina o inglês perde a graça.

Nicole deu voz a Leo Gursky, um imigrante polonês ranzinza que vive em Nova Iorque com um vizinho quase cego. A parte em que Leo traz audiolivros de Anna Karenina e Ulisses para Bruno ouvir é impagável – parte dela aparece no trecho de A História do Amor reproduzido nesta página.

Jovens, ricos e inteligentes, o maior problema que o casal deve enfrentar para vir ao Brasil é encontrar alguém para ficar com seu primeiro filho, Sasha, nascido em fevereiro passado.

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