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A popularidade de personagens de telenovela ambíguos e de caráter duvidoso, como a Bebel de Camila Pitanga ou mesmo o Antenor Cavalcanti de Tony Ramos, não é apenas fruto do excelente trabalho dos atores. Segundo estudiosos ouvidos pela Gazeta do Povo, a condescendência com as armações e com os desvios de conduta desses vilões carismáticos refletiria uma certa decadência de valores como honra, honestidade e ética.

"A arte, e nela incluo a televisão e as novelas, imita a vida. Essa é uma regra geral", resume a socióloga Olga Maria Mattar. "E a corrupção está tão generalizada que aparece nas novelas. Se a falta de ética for mostrada de uma forma ‘bonita’, colorida e bem feita, a gente aceita." Ela fala ainda sobre a enorme responsabilidade da telenovela, por prender a atenção de tanta gente. "Acho um pouco perigoso esse tipo de novela, seria melhor se fosse mais de acordo com a nossa ética. Mas a arte não está nem aí para a ética", considera.

A socióloga reconhece, porém, que o próprio público contribui para uma certa leniência com alguns personagens. "Todo mundo torce para que a Bebel tenha um bom fim. E não temos como mudar isso, eu mesma torço por ela. O que nos protege é a educação, mas a escola está longe de ser 100%, e a religião, que também está muito distante disso."

Para a psicóloga Cleia Oliveira, o mais grave é reforçar um padrão de comportamento antiético. "É preciso dizer que esse tipo de comportamento é ruim, e não um modelo a ser seguido", observa. Para ela, a ambigüidade dos personagens simboliza "a idéia mágica de ser tudo": "De repente eu sou ao mesmo tempo bonzinho e mau, sou pleno, e não preciso escolher. Se eu for um pouco mau-caráter, posso ter sucesso, mesmo que vá contra a minha história familiar."

Segundo a psicóloga, a saída seria deixar os mocinhos absolutamente humanos, capazes de expressar sentimentos como mau humor, raiva, franqueza e polidez. "Eu posso ser educado e honesto sem ser otário. Isso vai reforçar a idéia de que é importante estar em harmonia com os nossos sentimentos."

Cleia fala ainda sobre a sede de vingança que os telespectadores costumam ter em relação aos personagens "do bem": "Isso revela o desejo que o oprimido tem de reagir. Mas há outras formas para isso: juntar nossos pares, nos dedicarmos a ações de cidadania, dizer não a certas práticas políticas. Por que os caras-pintadas deram certo? Eu mesma estou pensando em andar por aí de lacinho preto na lapela e nariz de palhaço".

O autor e diretor de teatro Paulo Biscaia vê com bons olhos os personagens de caráter difuso nas novelas brasileiras. "O formato clássico dos folhetins para a televisão está perto do esgotamento, mas essas camadas diferentes de alguns personagens tornam a história muito mais realista. Isso indica alguma luz de inteligência e discussões um pouco mais complexas na teledramaturgia."

Para Biscaia, é possível conciliar a responsabilidade social da tevê com desfechos mais originais. "O Capitão Ahab, de Moby Dick [clássico de Herman Melville], é o típico herói canalha, com sua obsessão por vingança acima de qualquer coisa. E a gente acompanha a sua viagem de descoberta até a redenção final, quando ele se dá conta da sua pequenez. É uma redenção real, tátil, fruto de uma descoberta interna, e não da noite para o dia, como o ocorreu com o Antenor do Tony Ramos", explica.

É o mesmo tipo de final que ele gostaria de ver para personagens como o de Camila Pitanga. "Só espero que os autores não dêem uma solução bidimensional para a Bebel. Seria uma pena, porque eu cheguei a ver algumas cenas em que o trabalho de dramaturgia era muito curioso."

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