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 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Em uma das crônicas de “Um Menino Toca Flauta no Metrô”, Miguel Sanches Neto recorda o que dizia Nietzsche sobre o valor confessional na literatura: “Falar muito de si é também uma maneira de se esconder”.

No terreno da crônica, onde o emotivo se funde com as arbitrariedades do olhar – o escritor como testemunha –, as raias da realidade ficam ainda mais turvas. E é nesse campo, do falar de si sob o inconclusivo prisma literário, que Miguel Sanches Neto monta seu acampamento.

A obra, lançada pela Container Edições, é o compilado de 38 textos escritos entre 2003 e 2011 e promove uma descida ao epicentro do processo criativo, onde a única certeza é de que não refletir sobre a própria produção é meio caminho em direção ao precipício. O escritor ingênuo mora longe. “Um Menino...” é um estudo intenso sobre o que é ser escritor em uma época de tantos usuários públicos da língua, o inerente excesso de ruídos e ferramentas.

Para Sanches Neto, a crônica é um arcabouço de peculiaridades, rituais e impressões sobre a escrita, uma plataforma para o relato das idiossincrasias do fazer literário. “Como escrever é carência, estratégia para preencher vazios, o autor sempre quer a aprovação amorosa de seu trabalho”.

Um Menino Toca Flauta no Metrô

Miguel Sanches Neto. Container , 200 pp. Distribuição dirigida a bibliotecas e outras instituições do Paraná.

A prosa do livro é fluente, preocupada em fazer do leitor um cúmplice, sem maiores forças de convencimento. Em certos momentos, a condução oscila entre a ausência de piedade e um chamado ao prazer da leitura, com a leveza de quem quer contar com simplicidade.

Se fosse um quadro, a prosa de Sanches Neto certamente não seria uma natureza-morta.

Seu texto alimenta-se das cores de seu lado memorialista, dos tons de crítica literária, do lado professor, do romancista que ainda não escreveu seu grande livro.

Por isso, fantasmas atravessam suas linhas e luzes brotam de onde não se espera nada. Um e outro excesso também se faz presente: “Sonho com uma escola em que os alunos possam fazer soar a flauta da linguagem”.

Miguel Sanches Neto é dotado de uma literatura velocista, de fluxo, como se estivéssemos andando num calçadão de metrópole, tentando apreender o mundo.

O uso literário da língua terá sempre uma tendência para a deformação. Aprender a usar a linguagem corrente garante uma comunicação sem maiores turbulências, mas a sua versão literária introduz elementos que não estão a serviço de uma expressão racional, e sim passional.

Miguel Sanches Neto, escritor.

“Quem nunca traiu a mulher que amou ainda não está preparado para a literatura. Mas quem nunca amou esta mulher sobre todas as coisas também não está. O escritor é chamado para viver tudo, para desempenhar todos os papéis. Quem apenas se quer escritor ainda não é escritor, e sim um literato, um ator, um farsante”, escreve.

“Um Menino Toca Flauta no Metrô” entrega um apanhado de (in)conclusões sobre a vida, com a cobiça de quem quer empurrar a linguagem para melhor contar.

E se, para isso, for necessário abrir a intimidade e, de lá, produzir sentido, tanto melhor.

Preservação da intimidade, em matéria de literatura, é ato falho. Até porque, como diz Sanches neto, não há verdade, apenas versões.

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