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Sacks: “compensações” não servem de recompensa para o sofrimento dos doentes | Bel Pedrosa /Divulgação
Sacks: “compensações” não servem de recompensa para o sofrimento dos doentes| Foto: Bel Pedrosa /Divulgação

Nova York - Aqueles que conhecem apenas os títulos chamativos dos livros de Oliver Sacks – A Ilha dos Daltônicos, Um Antropólogo em Marte, O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu – podem imaginar que sua escrita se dedica a uma galeria de casos grotescos, a um desfile de exóticos deficientes.

Sacks, um neurologista atuante, se especializou, de fato, no estudo de casos de pacientes bastante incomuns. Mas, ao mesmo tempo que entretém e diverte com suas histórias dramáticas, sempre buscou outra coisa: discretamente, ele nos instrui a respeito das fragilidades e falhas – e das virtudes e capacidades – de pessoas "normais", que sofrem de males de tipo mais comum.

Você pode nunca ter confundido sua esposa com uma peça de vestuário, mas nunca teve um branco para reconhecer o rosto de um conhecido? Nunca lutou para encontrar uma palavra que lhe escapava? Nunca leu uma frase três vezes e continuava sem conseguir compreendê-la?

Deslizes corriqueiros como esses, e como lidar com eles, são o tema oculto do livro mais recente de Sacks. O Olhar da Mente é uma coletânea de ensaios – alguns dos quais antes publicados na revista The New Yorker – mas que apresenta uma coerência notável e harmoniosa de tom, tema e abordagem.

Mais uma vez, Sacks explora nossas limitações compartilhadas com uma série de vívidos personagens: a mulher que não podia falar, o homem que não sabia ler, o "prosopagnósico" que não conseguiu identificar seu próprio rosto numa fotografia. (Para aqueles que se perguntam como Sacks localiza essas pessoas, logo fica claro que muitos de seus pacientes é que o encontram ao se reconhecerem nos textos do neurologista. Passam a estar sob seus cuidados pelas páginas de seus livros e, por sua vez, tornam-se personagens da próxima rodada de histórias.)

Os pacientes que escrevem para Sacks conquistam sua mais profunda simpatia. A um desses interlocutores, uma mulher que perdeu a capacidade de ler (mas, curiosamente, mantém-se capaz de escrever), Sacks conta que respondeu por telefone. "Normalmente teria escrito de volta", diz, mas naquele caso ligar "parecia ser a melhor coisa a fazer". Uma paciente, acometida de uma doença degenerativa do cérebro chamada atrofia cortical posterior, perdia com o tempo a capacidade de reconhecer objetos e pessoas, embora mantivesse um aguçado senso de cor e forma. Quando Sacks a atendeu pessoalmente para ver como ela conduzia sua vida cotidiana, foi vestido da cabeça aos pés de vermelho, para que ela pudesse continuar a reconhecê-lo no meio de outras pessoas.

Dado a tais gestos de generosidade sem que isso seja deliberado, Sacks parece ser o médico ideal: atento mas acolhedor, meticuloso mas terno, capaz de focar toda a sua atenção em um paciente de cada vez. Para sorte do paciente e nossa, esmiuça todo detalhe que seja incomum, traz à tona cada dolorosa ironia.

A mulher para quem Sacks se vestiu todo de vermelho, por exemplo, é uma pianista virtuose, e o primeiro sinal de sua enfermidade foi uma incapacidade súbita de ler partituras. Ela vem se juntar, nas páginas do livro, a um escritor que acorda certa manhã incapaz de ler e a uma mulher intensamente sociável que subitamente se vê muda. Mas o interesse principal de Sacks não é documentar a patologia, ou até mesmo curar a doença, o que na maioria das vezes é impossível. O "tempo de despertar" não chega milagrosamente nesses casos.

Ao contrário, o neurologista está mais empenhado em compreender o processo de compensação, ou seja, como as pessoas remediam o que perderam, descobrindo novas possibilidades nas limitações que acabam de lhes ser impostas. Há um homem cego que desenvolve audição supersensível, uma mulher surda que passa a captar sutis mudanças nas expressões faciais – e aquela pianista, que perde sua capacidade de ler música, mas cujo pensar sobre a música ganha nova complexidade.

"Ela sentia que sua memória musical, seu imaginário musical, tinha se tornado mais forte, mais tenaz, mas também mais flexível, o que lhe permitia reter na mente a música mais complexa, reorganizá-la e reproduzi-la mentalmente de uma maneira que lhe era impossível fazer antes", escreve Sacks.

Às vezes, essas compensações são biológicas, ele explica. O cérebro, por sua plasticidade mesmo na idade adulta, se remodela para atender a uma nova realidade. Em pessoas que ficam cegas na idade adulta, observa Sacks, a parte do cérebro que processava a informação visual não atrofia, e sim é realocada para outro uso. "O córtex visual, privado do estímulo visual, ainda é bom terreno neural, disponível e pedindo uma nova função."

O que Sacks mais observa são as adaptações psicológicas e emocionais dos pacientes à sua nova condição; o que ele admira, claramente, é como chegam a "desenvolver outras formas de fazer as coisas, aproveitando seus pontos fortes, encontrando compensações e acomodações de todo tipo". Ao tocar seu piano, escreve Sacks, a mulher que já não podia ler partituras "não só lidava com a doença, mas a transcendia".

As compensações encontradas pelos pacientes de Sacks são, na verdade, gratificantes a ponto de começarmos a achar que as tragédias que se abateram sobre eles não foram realmente tragédias, mas – como dizem os livros de autoajuda – oportunidades de crescimento.

Sacks ensina que a compensação é um consolo insuficiente, que a perda é dolorosa, não importa o que venha em substituição. Mesmo aqueles de nós que nunca perdemos a visão ou enfrentamos um diagnóstico de câncer (como o próprio autor, que tem um tumor no olho direito) sabemos o quanto mudanças profundas podem ser perturbadoras. Mudar para um novo emprego ou uma nova vizinhança pode fazer com que, por algum tempo, nos tornemos reclamões e autopiedosos.

Por mais que sempre volte a seu jeito irrequieto, Sacks não nos deixa esquecer a sensata lição resultante de sua experiência com o câncer. Ele não tece loas à capacidade de superação humana, mas termina o texto com uma virada sombria trazida por novos acontecimentos. Uma hemorragia nubla ainda mais sua visão, deixando-o com um buraco, um "nada", no campo visual direito. "O tempo vai dizer se serei capaz de me adaptar a esse novo desafio visual", escreve o neurologista.

Talvez Sacks encontre consolo em seu escritor-paciente que, com grande esforço, aprendeu sozinho a ler novamente. "Os problemas nunca desapareceram", relata o romancista, "mas fiquei mais esperto para resolvê-los."

Serviço:

O Olhar da Mente, de Oliver Sacks. Tradução de Laura Teixeira Motta. Companhia das Letras, 232 págs., R$ 44.

Tradução de Christian Schwartz.

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