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É difícil calcular o impacto da morte de George Gershwin (1898 – 1937), aos 38 anos, na cultura norte-americana. Em uma carreira relativamente curta – foram menos de duas décadas interrompidas por um tumor cerebral –, ele marcou a memória cultural dos EUA como poucos conseguiram. O que Walt Whitman fez com a poesia americana, Henry James, com o romance, e Edgar Allan Poe, com o conto, Gershwin fez com a música. Hoje, não se pode compor o que quer que seja sem pedir licença ao homem que escreveu "But Not for Me", "Summertime" e a ópera Porgy and Bess.

Com as músicas dos irmãos Gershwin – nos anos 20, Ira passou a escrever as letras para George –, já se fez de tudo. Até uma coletânea de releituras que misturam eletrônica, reggae e música experimental – no disco Red Hot + Rhapsody: The Gershwin Groove. Não se pode culpar ninguém por receber com ceticismo mais um disco de pianista com a enésima interpretação de "How Long Has This Been Going On?". Porém, lá pela quarta faixa, o disco Bill Charlap Plays George Gershwin – The American Soul justifica sua existência e prova que, sim, é possível tocar qualquer standard pela enésima vez e fazê-lo soar como novo.

O disco começa morno com "Who Cares?", os solos de piano são corretos e soam familiares, enquanto Charlap é acompanhado pelo seu trio velho de guerra – Peter Washington no baixo e Kenny Washington na bateria (apesar do sobrenome, eles não são parentes). O trio toca ainda "I Was So Young (You Were So Beautiful)" e "Liza". Na primeira, Charlap mostra porque é um dos melhores intérpretes de baladas que existe, além de deixar claro algumas de suas influências – Bill Evans sobre todas elas. A segunda é a mais animada do álbum e, ao contrário da versão original, ganha velocidade pelas mãos do nova-iorquino.

À exceção da última música – levada somente com o piano –, todas as outras tem o acompanhamento de um quarteto de metais de cair o queixo: Phil Woods (sax alto), Frank Wess (sax tenor), Nicholas Payton (trompete) e Slide Hampton (trombone). No caso de Woods, parece que Charlap não perdeu a chance de fazer média com o chefe, pois é pianista no quinteto do saxofonista desde 1995 e leva seus projetos pessoais simultaneamente. Por um período breve, trabalhou também com Wess – além de tocar com Benny Carter, Clark Terry e Tony Bennett.

Para saber por que o quarteto reunido por Charlap vale o disco, ouça "S Wonderful" para conferir o trompete de Payton – é bom saber que alguém ainda é capaz de tocar como ele. Depois de "How Long Has This Been Going On?", é impossível não virar fã de Wess. "A Foggy Day" mostra os atributos de Hampton e Woods faz o que quer com "Bess, You Is My Woman Now" (parte da ópera Porgy and Bess).

Charlap tem seu momento solo na faixa que encerra o disco. "Soon" tem apenas um minuto e 41 segundos de duração. Quando ela termina, o impulso que se tem é o de ouvir o disco de novo. Talvez pular a primeira faixa. E pôr repeat na quarta, na quinta, na sexta... GGGG

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