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"Os sistemas de obtenção de dados processados eletronicamente nos possibilitam reunir tudo de forma instantânea. Esse tipo de memória total permite-nos (…) colocar todos os livros do mundo num computador." Essa frase não foi dita por Steve Jobs, CEO da Apple, nem por Larry Page ou Sergey Brin, fundadores do Google. O autor é Herbert Marshall Mc Luhan (1911–1980), que na década de 60 descreveu a comunicação desta forma inusitada para a época e com considerações que sobreviveram aos anos e podem ser aplicadas à atualidade.

As provocações mc­­luhianas geraram inúmeras críticas negativas há quase 50 anos. Até hoje, as ideias dele são polêmicas entre os pesquisadores da área. Ele é o responsável pelo conceito que interpreta "o meio como extensão do homem", entendendo, por exemplo, que os meios eletrônicos são um prolongamento do sistema nervoso. É também de sua autoria a tão discutida frase "o meio é a mensagem", em uma proposição que supõe que o veículo, o canal pelo qual a informação será transmitida, interfere na interpretação que se faz da mensagem. Cabe também a McLuhan o título de precursor da discussão sobre "aldeia global" (termo criado por ele), em uma época em que a internet estava distante de conectar pessoas e as redes sociais virtuais não eram tecnologicamente possíveis.

Para alguns pesquisadores, pensar o que sobreviveu das ideias de McLuhan é desvalorizar os seus estudos. André Lemos, doutor em sociologia pela Université René Descartes (Paris V, Sorbonne) e professor da Faculdade de Comunicação na Universidade Federal da Bahia (UFBA), além de autor de diversos artigos nacionais e internacionais sobre cibercultura, sugere que seria melhor se questionar "o que não sobreviveu?" O professor afirma que vivemos hoje o que foi apontado por McLuhan há quase 50 anos. "Vivemos em um ambiente de mídia bastante complexo. Pensamos na ecologia midiática, assim como McLuhan pensava."

Eugênio Bucci, professor doutor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e autor de livros e ensaios sobre comunicação e jornalismo, também concorda que as ideias de McLuhan dizem respeito ao nosso presente. Entre as previsões mcluhianas, o professor destaca os conceitos de biblioteca on-line, que soam como uma profecia ao que hoje é o Google ou a Wikipédia. O professor da ECA lembra que McLuhan descreveu: "o próximo meio, qualquer que seja ele, deverá ser a extensão da consciência. Um computador como ferramenta de pesquisa e de comunicação poderia reforçar as possibilidades de busca, tornar obsoletas as bibliotecas convencionais, suprir as funções de enciclopédia e entregar dados personalizados em alta velocidade." "Isso não é atual?", indaga Bucci.

Considerar o meio um agente no conteúdo das mensagens gera uma discussão que circula entre os campos da tecnologia e da semântica. Alguns estudos afirmam que um canal de transmissão não é capaz de interferir no conteúdo de uma informação, pois é suporte material que serve apenas como transporte de mensagens. Lucia Santaella, pesquisadora, professora da PUCSP e autora de livros que discutem comunicação, afirma em seu artigo Da Cultura das Mídias à Cibercultura: o Advento Pós-humano (publicado na Revista Famecos, em 2003), que "veículos são meros canais, tecnologias que estariam esvaziadas de sentido não fossem as mensagens que nelas se configuram." A autora é enfática ao dizer que seria uma ingenuidade e um equívoco para fins teóricos e científicos considerar que as mediações sociais vêm das mídias. Para ela, o início de uma mediação se dá nos signos, linguagem e pensamentos que elas veiculam.

Mas quando se expande a reflexão para algumas formas bem recentes de comunicação, como o Twitter – que por limitar o autor a escrever apenas em 140 caracteres, de certa forma já está incorporando alguma característica desse meio à mensagem –, a afirmação de McLuhan ganha força.

Segundo Eugênio Bucci, a internet como conhecemos hoje é o que potencializa as hipóteses mcluhianas. "A internet é central nessa discussão. Ela já se punha como uma necessidade estrutural da comunicação, a partir dos anos 50, ainda que não fosse possível imaginá-la com materialidade tecnológica. A internet ajudou a realizar o que ele descreveu como tese", afirma.

Para André Lemos, a ideia de conectividade total – ou quase isso – e de globalização tomam maiores proporções com a tecnologia e vivem em constante expansão com a internet. Sobre o conceito de uma aldeia global, Lemos propõe que "hoje podemos falar em aldeias globais" – no plural mesmo. Isso é mais perceptível quando se pensa nas redes sociais e os interesses de cada participante.

Considerar os meios universais não é plausível, mas André Lemos percebe que involuntariamente todos estão inseridos em um ambiente que é interferido pelos meios, devido aos impactos que eles causam no cotidiano da sociedade.

Além de pressupostos maniqueístas, pensamentos que surgiram há meio século e ainda são cabíveis de discussão até hoje provam a atualidade das ideias de quem as formulou.

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