• Carregando...

"A única coisa que nos resta diante dessa inelutável derrota que chamamos de vida é tentar compreendê-la. Eis aí a razão de ser da arte do romance." E eis aí também o ponto problemático de A Cortina (Companhia das Letras, R$ 36,50; 160 págs.), ensaio de Milan Kundera da qual foi extraída essa citação. Ao longo de suas sete partes, o texto acumula pequenas histórias pessoais ligadas à arte, considerações sobre grandes autores, principalmente Flaubert, Kafka e Broch, e reflexões teóricas sobre a forma romanesca.

Nesse último ponto residem alguns dos momentos mais interessantes do livro. Ele demonstra o fracasso da idéia de literatura nacional para lidar com o gênero, comentando as relações de continuidade entre Rabelais, Sterne, Diderot, Cervantes, Fielding até chegar a Kafka e García Márquez, ou defende a compreensão do romance como uma "grande poesia antilírica" ("a conversão antilírica é uma experiência fundamental no currículum vitae do romancista").

Ao mesmo tempo, contudo, reiteradamente busca, por meio das obras, lidar com o que denomina de "o enigma existencial". E, aqui, é preciso fazer uma ressalva. Talvez, de fato, seja a compreensão do que é o homem uma das "razões de existência" do romance, mas isso não quer dizer que seja possível (ou fácil, ao menos) inverter a ordem das coisas e tentar resolver o enigma a partir dele: o perigo de cair em psicologismos baratos ou formulações grandiloqüentes é imenso e raramente consegue ser evitado. E essa é uma armadilha da qual Kundera também não escapa, ainda que às vezes tenha tiradas muito inteligentes: "O inferno (inferno na terra) não é trágico; o inferno é o horror sem nenhum traço de trágico".

Assim, por exemplo, assumir uma suposta prevalência de protagonistas jovens que incidem em "iniciativas irracionais" porque eles significam para seus autores (Stendhal, Dostoiévski etc.) "uma situação humana geral" e daí extrair uma "absolvição" a erros historicamente cometidos na juventude (e a ligação com o fascismo de Cioran é o caso ilustrativo escolhido por Kundera) é no mínimo um passo arriscado (mesmo que a "absolvição" seja, evidentemente, uma possibilidade), inclusive pela própria premissa "etária" na literatura ser bastante discutível.

Além deste recém-lançado A Cortina, o autor de A Insustentável Leveza do Ser já publicou dois outros livros dedicados ao assunto: A Arte do Romance e Testamentos Traídos (ambos editados no Brasil pela Nova Fronteira).

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]