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Dois lançamentos na casa dos quadrinhos

Vai haver barulho hoje naquela que pode ser chamada de "casa dos quadrinhos de Curitiba". O cartunista gaúcho Allan Sieber estará, a partir das 17 horas, na Itiban Comic Shop para lançar duas novas HQs: Perca Amigos, Pergunte-me Como e a Vida Secreta dos Objetos, ambos pela editora carioca Mórula.

No primeiro, Sieber desfere o seu lado mais ácido em 135 cartuns produzidos nos últimos cinco anos – a maior parte publicada em jornais e em seu blog. "Um apanhado de cartuns que pode ser descrito como um manual de grosseria e falta de modos, tem piadas rudes mesmo", conta, revelando que a fórmula o tem ajudado a conseguir o efeito que o título da obra sugere.

O segundo trabalho é definido pelo autor como "um livro fofinho que pode ser mostrado para a mãe". Trata-se de uma coletânea de tiras publicadas com o mesmo nome no jornal Folha de S.Paulo. "É uma tira que eu gosto de fazer. Um desafio. Imagino um objeto qualquer e tento elucubrar o que este objeto estaria pensando agora."

Itiban

Sobre o local do lançamento, Sieber faz questão de lembrar que a Itiban é, para ele, "a melhor loja de quadrinhos do Brasil". Criada em 1989, a Itiban Comic Shop é uma casa especializada em HQs, RPG e card games que, desde então, é ponto de encontro obrigatório para fãs destas linguagens em Curitiba e referência nacional em histórias em quadrinhos. Tanto que, em 1998, o espaço foi premiado com o Troféu HQMix de melhor loja.

Fundada pelo casal Luiz Francisco Utrabo, o Xico, e Mitie Taketani, a Itiban tem atualmente mais de cinco mil títulos diferentes entre vários segmentos de quadrinhos e RPGs. A loja também é o espaço mais nobre de lançamentos e eventos relacionados a quadrinhos, pelo menos uma vez por mês. "Em maio, tivemos convidados todas as semanas", conta Mitie.

Ela afirma que seu trabalho na Itiban é movido por paixão e admiração pelos criadores dos quadrinhos. "E também para tentar abrir a cabeça da galera para coisas diferentes", conclui.

Serviço

Perca Amigos, Pergunte-me Como

Allan Sieber. Mórula, 144 págs, R$ 40. Quadrinhos. A Vida Secreta dos Objetos Allan Sieber. Mórula, 96 págs., R$ 18. Tiras. Lançamento de ambas hoje, às 17 horas, na Itiban Comic Shop (Av. Silva Jardim, 845, Centro), (41) 3232-5367. Entrada franca.

Gibi não é (só) para crianças

Já vai longe o tempo em que gibis com patos falantes ou super-heróis idolatrados por nerds apaixonados eram os personagens essenciais das histórias em quadrinhos.

Antes restritas a um universo voltado a crianças e adolescentes, as obras adultas vêm ganhando espaço nas últimas três décadas. E não se trata apenas da muito tradicional arte erótica em quadrinhos.

Adaptações de grandes obras da literatura, reportagens e entrevistas, grandes eventos históricos, partidas de futebol – atualmente tudo isso vira material para histórias em quadrinhos.

As antigas "revistinhas" ou "gibis" continuam com sua considerável fatia de mercado. Mas hoje, eles dividem as prateleiras com outras categorias de quadrinhos, como os mangás, inspirados no modelo japonês, e as graphic novels, com encadernação mais trabalhada e histórias mais longas, que podem ser contadas em um ou mais volumes.

"A HQ é, hoje em dia, uma arte adulta, em plena maturidade, e da mesma maneira que o cinema, o teatro ou a literatura, pode tratar de todos os temas, mesmo aqueles difíceis ou dolorosos", escreveu em seu site Nicolas Finet, curador do site do Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême, na França, atualmente em sua 41.ª edição.

As editoras brasileiras não revelam dados sobre faturamento ou vendas, sob a alegação de que se trata de informação sigilosa e estratégica. Mas há consenso de que nunca se vendeu tanto. Casas importantes, como a Companhia das Letras, criaram selos só para publicar quadrinhos – alguns títulos, como Habibi, de Craig Thompson (2012), já frequentaram as listas de mais vendidos no país.

Um dos sócios da Mórula Editorial, Vitor Castro avalia que nos últimos anos houve um crescimento no consumo de quadrinhos no formato livro e, consequentemente, a migração de sua distribuição e venda das bancas para as livrarias.

Ele aponta que um dos fatores causadores desta mudança é a percepção que as grandes editoras têm de seus leitores. "Talvez, eles tenham percebido que o cara que lia quadrinhos quando era adolescente continua lendo na idade madura e resolveram investir neste filão", avalia.

Castro destaca ainda que a internet e os mecanismos de arrecadação, como crowdfunding, dão chance ao aparecimento de muitas produções independentes que, em razão da qualidade, podem interessar às grandes editoras.

Com a experiência de 50 anos, mercado brasileiro de quadrinhos, como leitor e editor, Toninho Mendes olha o cenário com ceticismo. "É um mercado volátil. Ninguém tem a menor noção para onde vai correr. Mas me parece que tem mais gente publicando do que gente para ler", alerta.

  • Alcy
  • Angeli
  • Chico Caruso
  • Glauco
  • Laerte
  • Luiz Gê
  • Paulo Caruso
  • Moça
  • O
  • Lançamento: Humor Paulistano – A Experiência da Circo Editorial 1984- 1985. Organização de Toninho Mendes. Sesi-SP Editorial, 432 págs., R$ 120. Quadrinhos
  • Mitie Taketani (e Allan Sieber, no cartaz) posam em frente à Itiban: paraíso das HQs
  • Algumas capas das revistas da Circo Editorial
  • Bob Cuspe no traço do cartunista Benett
  • A personagem Rê Bordosa: campeã de vendas

1986 foi um ano bom. Comprei meu primeiro disco de rock em União da Vitória, onde passava as férias de fim de ano. Uma cidade muito fria em julho. Quente pra valer em dezembro. Numa das viagens para lá, no expresso Estrela Azul, na véspera de Natal, meu irmão mais velho me chamou: "Ô cara, venha ver isso aqui, mas não conte para a mãe..."

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Ele então me mostrou algo que mudaria minha vida. Uma revista. Na página central, havia um teste, desses de publicações femininas (e que hoje fazemos no Facebook para descobrir que banda ou animal da floresta somos). Você marca as respostas e depois soma os pontos para chegar ao resultado.

Acontece que não era nenhuma revista feminina. Era o N.º 3 da Chiclete com Banana. Não cabe aqui falar em que termos era a pesquisa, mas é claro que, no final, você era chamado de imbecil, entre outras coisas, por "ficar fazendo testezinhos".

Minha história é, certamente, a mesma de muitos da minha geração, desde que a edição N.º 1 de Chiclete com Banana, Bob Cuspe e Outros Inúteis chegou às bancas, no dia 25 de abril de 1984– data da votação para a emenda das eleições diretas.

Foi a primeira revista lançada pela Circo Editorial, uma experiência transformadora no cenário dos quadrinhos adultos no Brasil e que está completando 30 anos em 2014.

Depois dela, vieram as revistas Circo, Os Piratas do Tietê, Geraldão e outras tantas. Entre os anos de 1984 e 1995, a Circo publicou mais de cinco mil páginas assinadas por artistas como Angeli, Laerte, Glauco (1957-2010), Luiz Gê, Glauco Mattoso, Marcatti...

Foi nas suas páginas que surgiram ou ganharam alma personagens como Bob Cuspe, Rê Bordosa, Geraldão, Los Tres Amigos, Casal Neuras, Walter Ego, Os Skrotinhos e outros que hoje parecem sempre ter existido, pois é difícil imaginar a vida sem eles.

Encontro

Tudo começou no ano de 1966, quando dois garotos paulistanos fanáticos por gibis se encontraram no bairro Casa Verde, em São Paulo, há alguns quarteirões do rio Tietê. Eram eles Antônio de Souza Mendes Neto, o editor Toninho Mendes, e Arnaldo Angeli Filho, o cartunista Angeli (um anagrama de ‘genial’, segundo Millôr Fernandes).

A história que se seguiu acaba de virar um livro: Humor Paulistano – A Experiência da Circo Editorial 1984-1995 (Sesi-SP Editora).

Definida por Toninho como a "bíblia do quadrinho paulistano", a obra reúne a história de cada um dos produtos lançados pela Circo – que tinha ele como editor e Angeli como principal colaborador –, além de uma antologia de histórias em quadrinhos, tiras, textos e cartuns.

A data cheia é um convite à análise da importância da Circo à época e também para o cenário atual de quadrinhos adultos no país, decisivamente influenciado pela editora paulistana.

Criada no período de abertura política de meados dos anos 1980, as revistas da Circo são resultado de um experiência anterior de seus artífices na imprensa alternativa.

Surgiu para "consolidar uma linguagem de sátira política dentro da linguagem dos quadrinhos, como sucedânea do espaço da charge [o cartum editorial], que havia sido banido dos jornais diários em 1968, com o AI-5", explica o cartunista Laerte.

Um dos pontas de lança da Circo, Laerte acredita que os trabalhos foram tão marcantes porque mexiam com política e com os costumes da época, fazendo uma crônica de humor da vida paulistana (e brasileira) .

"Era crônica, mesmo. E ainda é – é o próprio sentido do trabalho que fazemos. Senão, não há substância nele. Se levarmos a análise para a conjuntura política específica daquele período [fim de ditadura, reorganização de forças sociais], vamos chegar à conclusão de que hoje também existem motivos semelhantes para esse tipo de atenção", aponta.

Para Toninho Mendes, os quadrinhos da Circo foram um grande teste para a abertura política da época. "Toda a imprensa alternativa era muito politizada. Nós éramos menos. Os produtos da Circo eram politizados de outra forma. Política de costumes. De uma forma ou de outra, o que aconteceu é que a gente acabou testando a abertura", explica, citando apenas os primeiros números, em que o punk escarrador Bob Cuspe foi lançado como candidato a prefeito, o personagem Geraldão espiava a mãe tomar banho, e o capitão dos Piratas usava um tapa-olho com o símbolo da Coca-Cola.

Estátua

A influência da Circo nas gerações seguintes é, de tão grande, difícil de medir. Apesar de seu humor e temas tipicamente paulistanos, as revistas ganharam todo o país.

Um de seus herdeiros, o cartunista curitibano Benett conta que seu trabalho foi forjado pela descoberta da Chiclete com Banana. "Li pela primeira vez com 12 anos. A partir daí, acrescentei um discurso ao meu desenho. Eu gostava de Hagar e Charlie Brown, e ela fez com que essas historinhas parecessem coisa de criança. E também me fez ir atrás de outros autores, como o Robert Crumb, por exemplo."

Uma influência que não se deu apenas "no traço", mas também no comportamento, repertório cultural e honestidade intelectual. "Comecei a ler Charles Bukowski por causa de uma coluna que tinha na revista. Lembro que comprei o álbum A Morte da Rê Bordosa [por reembolso postal] e mandei uma grana a mais além do que custava. Eles mandaram o troco de volta, em dinheiro, escondido no meio das páginas. Achei aquilo tão underground que nunca mais esqueci", relembra.

O cartunista gaúcho Allan Sieber, que está lançando dois livros hoje em Curitiba (leia mais na página 3), faz coro e destaca que o sucesso comercial da revista incentivou editores do país inteiro.

"Foi um divisor de águas. Eu vi na banca e pensei: ‘será que é possível mesmo que existam pessoas com coragem de publicar isso e que vivem desse trabalho?’ Para mim e para toda a minha geração, o Toninho Mendes é o único cara que merecia uma estátua", dispara.

Fenômeno

As revistas da Circo foram um fenômeno de vendas. A primeira edição da Chiclete com Banana teve uma tiragem inicial de 3 mil exemplares. Precisou ser rodada oito vezes mais. Em dezembro de 1987, a edição que trazia na capa A Morte da Rê Bordosa vendeu 100 mil exemplares (12 mil apenas em Curitiba). Edições seguintes chegaram a 130 mil cópias comercializadas.

A editora, porém, sofreu desde o início por ter surgido no período da hiperinflação de até 82% e dos malfadados planos de estabilização da economia. "A situação econômica quebrou a Circo e mais um monte de gente. A gente vivia de venda na banca e, para nós, foi ainda pior", lembra Toninho.

Assim, espontaneamente, como surgiu, a editora fechou as portas. "A gente não premeditou nada. Todos éramos libertários, querendo derrubar a ditadura e buscar espaço para se editar. A gente não tinha noção no que ia dar, fazia por curtição", afirma o editor.

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