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São Paulo (SP) – Que figura esse Lawrence Block. Senhor de quase 70 anos (nasceu em 1938), chegou à 19.ª Bienal Internacional do Livro vestindo uma camiseta verde, calça, paletó e tênis New Balance pretos. Ele usa bigode, óculos redondos e é representante do inusitado tipo "careca-cabeludo" – embora sejam poucos os fios no topo da cabeça, cultiva uma cabeleira grisalha que cobre a nuca (semelhante ao que fazem alguns cantores sertanejos). Sua voz lembra muito a do também escritor William S. Burroughs (de Junkie) – que interpretou um padre viciado no filme Drugstore Cowboy, de 1985. Sua fala é arrastada, quase resmungada e não raro, os finais de suas frases são difíceis de entender, como se tivesse preguiça de pronunciar as palavras – ou preferisse escrevê-las.

Para promover o lançamento de Quando Nosso Boteco Fecha as Portas (Tradução de Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa. Companhia das Letras, 280 págs., R$ 38), Block veio ao Brasil com a missão de distribuir autógrafos e participar de debate com Tony Bellotto, escritor integrante da banda Titãs e pai do detetive Remo Bellini, protagonista de romances como Bellini e a Esfinge.

O debate aconteceu na tarde de domingo passado, no Salão de Idéias, dentro do Pavilhão de Exposições do Anhembi, sede da Bienal. O tema, em princípio, era Suspense e Ação na Literatura. O público preferiu falar sobre o processo criativo dos autores.

"Sou melhor tocando guitarra e escrevendo do que falando sobre literatura", disse Bellotto antes de enaltecer a obra de Block, que o inspirou a virar escritor de romances policiais na primeira metade dos anos 90, quando viveu em Nova Iorque com a mulher, Malu Mader.

"Não entendo por que alguém que é uma estrela do rock desejaria virar escritor. Conheço homens que viraram escritores porque não conseguiram ser estrelas do rock", brincou Block, numa provocação direcionada a Bellotto, o rockstar em questão. O debate transcorreu quase todo sobre as mesmas questões de sempre: "Quanto de você existe em seus personagens?", "Como é o seu processo criativo?", "O que sente quando tem de matar um personagem?", etc.

Um dos bons momentos do evento ocorreu quando Block comparou os escritores de romances policiais aos músicos de jazz. O ideal de ambos é trabalhar com liberdade criativa, podendo improvisar, sem saber exatamente onde vai parar. Mas o veterano americano admite que nunca conheceu um escritor que, depois de um dia inteiro de trabalho, quisesse se reunir com uns amigos e passar a madrugada improvisando sobre um novo romance. Os jazzistas são famosos pelas jam sessions, sessões de improviso que não têm hora para acabar. "Músicos de jazz adoram tocar, mas há escritores que odeiam escrever. Eu gosto, às vezes", afirmou Block, arrancando risos da platéia.

Sobre o quanto de Bellotto existe em Bellini, o "titã" diz que experimenta elocubrações do que poderia ter feito em determinadas situações. Questionado se já havia vivido situações semelhantes às de seus personagens, diz que "os romances policiais (ao menos os seus) falam mais sobre uma confrontação com a morte do que sobre o mundo do crime".

Bem menos tolerante que o brasileiro com perguntas que já ouviu dezenas – talvez centenas – de vezes, Block diz que algumas pessoas têm dificuldade em entender o papel da imaginação nos romances. "Flaubert disse ‘madame Bovary c’est moi’, ele não disse ‘eu sou madame Bovary’. É diferente, de certa forma. Há parte de mim em todos os personagens, vilões e mocinhos, pois todos são criações minhas." Na maioria das vezes, quando falava depois de Bellotto, o americano limitava-se a dizer "não tenho muito mais a acrescentar sobre essa questão. Tony já disse tudo muito bem".

Quando Nosso Boteca Fecha as Portas tem o detetive Matthew Scudder como protagonista – ou talvez seja possível dizer que tem as lembranças de Scudder como núcleo da narrativa. Segundo o autor, esse livro pode servir de primeira experiência a leitores que não conhecem o ex-tira beberrão (mais tarde integrante do Alcoólicos Anônimos). Block escreve sobre Scudder há três décadas e afirma que o personagem envelhece em tempo real, ou seja, está 30 anos mais velho do que quando apareceu em Os Pecados dos Pais.

A certa altura do debate, uma leitora perguntou se Block quis passar uma mensagem ao reabilitar Scudder pelo AA. "Eu mal consigo explicar as minhas ações e certamente não vou conseguir explicar as ações de meus personagens", respondeu. Há quem diga que a busca pela sobriedade do detetive é reflexo da vida pessoal de seu criador, o que Block evita comentar.

Questionados sobre o fato de terem o crime como tema – e se isso não os incomodava, afinal a violência no Brasil é terrível e, nos EUA, a sociedade vive armada até os dentes –, Bellotto disse que se preocupa enquanto cidadão, mas não lida com o assunto racionalmente ao escrever. Esforçando-se para disfarçar o enfado que sentia com quase 90 minutos de perguntas e respostas, Block – ainda lutando com os fones de ouvido da tradução simultânea – admitiu que não encara os livros de um ponto de vista sociológico.

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