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Para um autor, falar do momento em que vivem nossos quadrinhos é tentar entender uma tempestade por dentro. É impossível ter a noção global das transformações que tomam nossas prateleiras. Sejam elas de banca ou livraria. Na verdade, esses espaços estão como nunca em disputa. Ao meu ver, as livrarias estão saindo vencedoras. Tradicionalmente bancas de jornal sempre foram lugar de quadrinhos. Ou gibis, como carinhosamente eram apelidados. Palavra que tem perdido força, assim como as vendas para o leitor casual, que entra na banca por um motivo qualquer e leva um quadrinho. Não bastasse o espaço abarrotado de DVDS, CDS e guloseimas que engoliram seu espaço, as HQs de banca competem com elas mesmas pois o jornaleiro "sabiamente" sempre coloca em destaque o que ele intui que vende. Seja um super-herói ou a Mônica, eles sempre estarão mais à mão que um novo quadrinho nacional.

Lançar quadrinhos em banca é algo arriscado para quem está no começo. Ainda mais se o autor é daqui. O leitor que religiosamente compra Homem-Aranha por inércia não arrisca sua coleção para adquirir uma nova revista de um (para ele) ilustre desconhecido. De experiência pessoal, participei da revista Manticore em fins dos anos 90. A crítica adorou arte e texto. Matérias em TV, jornais e revistas enalteceram o projeto. Mas as vendas não acompanharam esse entusiasmo, mesmo com diversos prêmios aos autores. Mas hoje os olhos dos leitores se voltam bem mais às HQs.

De lá para cá, se os autores migraram para blogs e sites especializados em produção nacional. Salvo as publicações infantis e alguns jornais com tiras de humor, o computador era o único canal para se escoar idéias diferentes. Entramos no século 21 com mais novos autores do que imaginávamos possuir. No espaço virtual um novo público descobriu que os autores brasileiros não faziam só humor. Mas gêneros como, terror, aventura, erótico... Descobriu-se também que não haviam só desenhistas. Mas também excelentes roteiristas produzindo. Essa efervescência não tardou a migrar para o papel. E tem sido nas livrarias nossa melhor acolhida.

Descobriu-se o óbvio: que havia demanda por HQs. Mas os leitores não eram mais como antes: amadureceram e se tornaram mais exigentes. Então, temáticas e acabamento gráfico se aprimoraram. Porém o preço aumentou inversamente proporcional as tiragens. Já a quantidade de títulos lançados ano passado cresceu: foram mais de 30. Um recorde que há muito não se via. Parece pouco? Descontados, claro, os infantis de sempre, em anos anteriores viam-se raros títulos brasileiros nas prateleiras anualmente. Em 2007 a tendência segue em crescer.

Até porquê atualmente o potencial didático dos quadinhos é reconhecido pelo governo, que agora os adota em escolas e assim, está fomentando um segmento no mercado que há muito se esperava: quadrinhos que falam do Brasil feitos por autores daqui. A primeira leva de material feito pensando nesse novo mercado são as adaptações de clássicos da literatura, outro filão que também se abre são as HQs sobre eventos de nossa história. Acompanhando esse momento é enorme a quantidade de teses acadêmicas e livros teóricos produzidos no Brasil: outro fenômeno que atesta a mudança do status dos quadrinhos diante do público e dos meios de comunicação.

Neste ano, meu álbum Folheteen foi o primeiro título nacional a chegar às livrarias, já seguido por vários outros: desde republicações de clássicos do humor político e social da geração do Pasquim ou Chiclete com Banana, passando por novos materiais de Fernando Gonzales, da dupla Gabriel Bá e Fábio Moon, só para citar os mais renomados. O quadrinho brasileiro começou a descobrir que há grandes autores em todas as regiões e com propostas diversas. Nisso, convém destacar o papel da Gibiteca de Curitiba, pioneira mundial que está completando 25 anos. Tendo passado por todas as crises do mercado, ela desfruta de prestígio único no meio. Servindo de modelo e referencial para todas as gibitecas que difundem a cultura da HQ pelo país e fomentando artistas através de suas exposições e cursos contínuos, os quais foram parte inclusive de minha formacão como artista.

Enfim, o momento é bom, mas ainda é cedo para termos um mercado sólido, que sustente uma produção constante, capaz de competir em pé de igualdade com o que nos chega importado. O cenário está se reconfigurando e novas perspectivas estão aí. Mas para que elas se concretizem, é preciso que jornais e editoras, neste momento em que cada vez mais leitores fogem da mídia impressa, abram os olhos para o poder fidelizador que um quadrinho local possui e aumentem seu espaço. Só com diversidade é que o leitor ousará em abrir mais seu leque de leituras.

José Aguiar, arte educador formado pela FAP e professor de HQ na Gibiteca de Curitiba. Com HQs publicadas no Brasil e Europa. Site:www.joseaguiar.com.

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