Parece óbvio, mas é sempre bom relembrar. Bem antes de ser lida, a poesia era pronunciada. Na Grécia antiga, poetas como Homero entoavam versos nas ágoras, a praça pública grega. Na Europa medieval, o bardo narrava as histórias e lendas de seu povo sob a forma de poemas musicados. No século 19, eram comuns os saraus organizados para declamações de poesia.
Mas, desde que o livro se tornou o principal veículo de difusão literária, os versos parecem ter sido silenciados. Hoje, quando se fala em poesia, poucos conseguem imaginar um encontro animado para declamação de poemas, mas algo introspectivo e solitário. "Por razões talvez de mercado, talvez de comodidade, a literatura, principalmente a poesia, acabou se solidificando em um veículo maravilhoso, que é o livro. Mas há muita ressonância corporal na poesia, os índios sabem disso, os gregos sabiam disso", diz Ricardo Corona, poeta paranaense e editor do selo Medusa.
De volta ao seu lugar de origem a rua, no sentido ampliado do termo , a poesia é um dos destaques da programação da Zoona Literária, encontro organizado pela Editora Medusa, com incentivos do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura de Curitiba, que até domingo oferece ao público mesas-redondas, mostras de vídeo, performances, leitura de poesia e prosa, exposição documental e lançamentos de publicações no Paço da Liberdade e no Solar do Barão.
Como outros eventos que começam a pipocar pelo país como, em Curitiba, o Vox Urbe (leia texto ao lado), o Zoona abre o microfone para que poetas convidados, paranaenses em sua maioria, libertem seus poemas. "É o que chamamos de poema ao vivo, ou seja, a apresentação do poema para o público com a voz e a presença do poeta. É o texto sendo produzido pela tribo, a poesia existindo como possibilidade viva", diz Corona.
Outro espaço aberto para a poesia nesse evento é a performance. Hoje, às 19h30, Corona e Eliana Borges desempenham Tsantsa. "Eliana é a artista e eu o poeta em um espaço de ação onde as linguagens se misturam, o poema já não é só leitura", diz ele. É na performance, explica, que todas as linguagens e expressões, incluindo a poesia, se relacionam simultaneamente. "O espaço se impõe diante de linguagens acabadas, que nunca estão inteiras, mas generosamente colocadas para que aquele seja um espaço de potência." Afinal, poesia não está necessariamente na palavra, mas num olhar, num gesto, numa imagem.
"A gente quis criar esse espaço especial para que os poetas tirem a poesia do papel, do livro, pois a poesia existe de outra forma. Há muita gente em Curitiba que lê poesia, não da maneira tradicional de recital, mas que consegue trabalhá-la na voz, no corpo, como performance, de forma mais experimental e criativa", explica a artista visual Joana Corona, que divide a curadoria do evento com o poeta e editor paulista Claudio Daniel.
Presente
Com o surgimento das novas tecnologias, o livro deixou de ser o espaço sagrado da literatura. "Facilitou-se a gravação e a possibilidade do poema se transformar em algo falado, sonoro. O fato de a internet estar presente nas nossas vidas também vem transformando o poema. Isso não reduz o livro em nada, mas abre-se um caminho a mais", analisa Ricardo Corona, lembrando que o evento abriga uma mostra de vídeoarte onde a poesia está presente.
E o público, gosta de ouvir poesia? Em suas viagens para participar de eventos pelo país, Corona nota um interesse crescente pelas leituras, palestras e debates literários.
"Acho que isso se deve a uma certa dessacralização da literatura. De algum modo, a poesia vem sendo ritualizada, colocada nas nossas vidas, deixa de ser algo distante. A escritura foi se transformando em algo sagrado, e a poesia nunca foi isso, nunca pertenceu ao universo onde o livro é algo que se impõe como objeto perfeitamente correto", diz.
Serviço:
Zoona Literária. Dias 15 a 17 de abril, no Paço da Liberdade Sala Cinepensamento (Praça Generoso Marques, 189) e no Museu da Gravura da Cidade de Curitiba - Solar do Barão (R. Carlos Cavalcanti, 533). A programação completa está no site www.zoonaencontroliterario.wordpress.com.