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Volante Claiton é uma das novidades no time de Antônio Lopes. Furacão precisa vencer para respirar | Pedro Serápio / Gazeta do Povo / Arquivo
Volante Claiton é uma das novidades no time de Antônio Lopes. Furacão precisa vencer para respirar| Foto: Pedro Serápio / Gazeta do Povo / Arquivo

Então eles se casaram, tiveram uma filha linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre".

A frase seria o típico The End de um conto de fadas, se não fosse o começo do livro História Meio Ao Contrário (Ática, 1979), de Ana Maria Machado. O título já indica que há algo fora do lugar nesta história nada convencional que, de forma bem-humorada, revela que "ser feliz para sempre" não é tão fácil assim e pode ser até bem tedioso.

A autora carioca, com mais de cem livros publicados, adicionou o gostinho da literatura infanto-juvenil no bule do tradicional chá das quintas-feiras da Academia Brasileira de Letras, na qual, desde 2003, ocupa a cadeira número 1. Antes disso, ela e as colegas Lygia Bojunga e Ruth Rocha receberam, cada uma a seu tempo, o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infanto-juvenil.

Esses e inúmeros outros prêmios concedidos a autores brasileiros confirmam a qualidade dos livros infanto-juvenis made in Brazil. O autor Pedro Bandeira vai mais longe e afirma, inclusive, que o primeiro livro do mundo realmente literário e declaradamente direcionado às crianças foi Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Depois da criação da boneca Emília, pouco foi produzido no Brasil para o público-mirim até a década de 70, quando delineia-se, por fim, a literatura infanto-juvenil, graças a (ironia do destino!) uma resolução do governo militar: em 1972, o Ministério da Educação (MEC) recomendou a todas as escolas que adotassem livros para crianças e adolescentes escritos no Brasil.

"Como isso pouco existia, muitas editoras imediatamente procuraram jornalistas, escritores para adultos, professores, até médicos e quem mais se dispusesse a cumprir essa tarefa. Assim, autores como Edy Lima, Marcos Rey, Origenes Lessa, Pedro Bloch e outros tornaram-se, da noite para o dia, ‘escritores para crianças’", lembra Bandeira, ele mesmo pertencente a esta leva.

Se, por um lado, a medida estimulou a leitura entre crianças e jovens, por outro, manteve a literatura infanto-juvenil atrelada a uma finalidade didática. Mas, ensinar não é exatamente o papel almejado pelos escritores desta geração. "A literatura não tem o compromisso de ensinar. Enquanto o livro didático procura uma convergência de respostas, a literatura é boa quando promove a divergência. Um diz até onde o sujeito andou. A outra abre portas para o sujeito andar mais", opina o mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, autor de Flora, Indez e Até Passarinho Passa.

Mas, é claro que, indiretamente, qualquer livro – seja qual for o público-alvo – pode ensinar. Em Poderosa, de outro mineiro, o autor Sérgio Klein, a menina Joana Dalva converte ficção em realidade ao escrever em um trabalho escolar que Joana D’Arc não foi para a fogueira. "A história da heroína francesa tinha uma função no livro, a questão didática vem de carona", explica o autor, que já lançou Poderosa 2 e 3, este último em quinto lugar na lista dos livros de ficção mais vendidos das Livrarias Curitiba, entre 25 de junho e 1.º de julho.

A história agrada porque o autor, de 44 anos, encarna sua protagonista de 13 ao escrever em primeira pessoa. Além de narrar suas próprias peripécias, Joana Dalva tem o poder de mudar a realidade, por vezes muito triste, à sua volta. "Há muita fantasia em livros como Harry Potter, As Crônicas de Nárnia e Alice no País das Maravilhas. Mas, o mundo mágico está sempre do lado de lá, sempre é preciso atravessar um portal, um espelho, um armário. Em meus livros, trago a realidade para o lado de cá. Basta ter olhos para ver que há muito encantamento no dia-a-dia. E meninas de 13 anos são muito poderosas!", diz o autor.

Realismo em excesso definitivamente não combina com o mundo infantil. Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, e Harry Potter, de J. K. Rowling, são bem diferentes, mas fascinam do mesmo modo porque lidam com a fantasia, a fábula, a magia. Mas, "enquanto Lobato criava aventuras em que as crianças eram protagonistas, resolvendo os problemas e os desafios por elas descobertos sem a ajuda de adultos, ‘solucionando’ a falta de petróleo no Brasil, reformando a natureza, encolhendo o tamanho das pessoas para pacificar o mundo, a inglesa inventou uma escola de bruxos em que todos os desafios são propostos às crianças pelos adultos", comenta Bandeira.

Na opinião dos entrevistados, Lobato é pouco lido pelas crianças de hoje porque retrata um mundo rural distanciado da realidade. Mesmo assim, o autor, que figura em primeiro lugar no cânone da literatura infanto-juvenil brasileira, serve de referência aos escritores contemporâneos porque soube falar sobre qualquer assunto, de política nacional a matemática, sem nunca chatear seus leitores. "Todos os assuntos podem ser abordados de modo simbólico, metafórico. É a abordagem que faz toda a diferença", diz Liana Leão, escritora e professora de literatura da UFPR.

A partir de uma história contada pela filha, que na época tinha quatro anos, ela escreveu, entre outros livros, A Caixinha de Narizes, tocando em temas delicados até mesmo para adultos: vaidade, preconceito, baixa-estima, crise de identidade. Klein não dispensa o bom-humor e a graça, mas "como não falar da violência no mundo em que vivemos?".

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