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Lillian Ross recebeu a reportagem em frente à piscina da Pousada da Marquesa no centro histórico de Parati. Eram 11 horas da manhã do dia 11 de agosto, uma sexta-feira, e o sol estava de doer. "Eu tenho de tomar sol. Faz bem para minha saúde", disse, enquanto seu filho Eryk – afilhado de J. D. Salinger, autor de O Apanhador no Campo de Centeio – a ajudava a se sentar em uma cadeira de madeira escura com almofadas brancas.

A jornalista fez a proeza (para alguém de sua idade: 79) de deixar a casa onde vive em Nova Iorque e encarar mais de nove horas de vôo até o Rio de Janeiro e outras quatro de estrada até Parati. Tudo para participar da 4.ª Flip, a Festa Literária Internacional que pontua o calendário de eventos da cidade.

Dela, a Companhia das Letras publicou Filme no ano passado, parte da coleção Jornalismo Literário. Pensado originalmente como uma série de reportagens editadas na revista The New Yorker entre 24 de maio e 21 de junho de 1952, o livro foi atualizado em 2002, ganhando uma introdução da autora e um prefácio da atriz Anjelica Huston, filha de John Huston, o cineasta que chamou Lillian para assistir ao processo de produção de A Glória de um Covarde (fato que está na origem do livro).

O cinema da época temia a concorrência da televisão e a Metro Goldwyn-Mayer vivia uma série de disputas internas que tinham como alvo o chefão Louis B. Mayer. As intrigas internas mais a estupidez dos executivos acabaram mutilando o trabalho de Huston, que evitou ver a versão final do longa-metragem.

A idéia para escrever Filme, conta Lillian, surgiu quando ela entendeu que gostaria de escrever textos como se fossem pequenos filmes. "Tudo o que você vê ou ouve, é externo. Você não fala o que uma pessoa pensa ou sente, você mostra o que a pessoa pensa ou sente. Está tudo implícito nos fatos que você escolhe colocar na sua história", explica. Assim passou a escrever como se fotografasse as situações que presenciava.

Nunca usou gravadores – ela os chama de "maquininhas". "Você ouve. Se você depende disso (aponta o gravador sobre a mesa), você não está ouvindo." Além de ter uma memória pródiga, costumava fazer anotações durante as conversas. Era capaz de transcrever longos diálogos e se gaba de nunca ter sido contestada por suas fontes.

Pelo comportamento que teve durante as filmagens de A Glória de um Covarde, participando de várias discussões importantes e observando tudo a sua volta, Lillian foi definida com a expressão "mosca na parede". O que ela achou da metáfora? "É idiota. Não estou escrevendo sobre Lillian Ross, mas estou lá, ouvindo. É meu trabalho usar os diálogos e situações para criar o texto", diz e rechaça também o rótulo de expoente do novo jornalismo (new journalism), reivindicado por Truman Capote (A Sangue Frio).

Ao lado de Charlie Chaplin, o diretor John Huston foi um de seus grandes amigos. "Eu cheguei em Hollywood e conheci John Huston enquanto ele filmava Key Largo (1948) com Lauren Bacall e Humphrey Bogart", lembra. O final dos anos 40 e início dos 50 acabaram marcados pela perseguição que o senador Joseph McCarthy fez a todos que considerava antiamericanos (leia-se: comunistas).

As conversas nos bastidores da produção transcorriam sobre o quanto Bogart era ou não alinhado ao partido vermelho, com Huston provocando o ator. "Escrevi sobre esse clima de perseguição e acabei me tornando amiga de Huston", recorda Lillian.

Um dos textos mais elogiados da jornalista, que ainda faz parte da equipe da New Yorker, é o perfil de Ernest Hemingway. Publicado na edição de 13 de maio de 1950, causou um rebuliço por apresentar o autor de O Velho e o Mar como um sujeito de modos peculiares. "Ninguém escrevia como Hemingway e ninguém falava como ele", diz a escritora.

Lillian viveu uma relação incomum ao lado de William Shawn, editor da New Yorker. Com ele, adotou Eryk e jamais se casou de papel passado. Por quase 50 anos, ela foi "a outra". Shawn já era casado e tinha dois filhos quando se apaixonou por Lillian. E foi ela quem o encorajou a continuar com a primeira mulher, ao mesmo tempo em que formava uma outra família.

"Hoje, as pessoas podem entender isso melhor", diz, deixando subentendido que, meio século atrás, a compreensão foi outra. A relação com Shawn é descrita no livro Here but Not Here.

Durante a entrevista, realizada em conjunto pelo Caderno G e pelo jornalista Paulo Paniago, do Correio Braziliense, autor de um doutorado sobre a New Yorker, Lillian Ross pareceu perplexa com o interesse suscitado por sua obra no Brasil. "Que maravilha!" é a exclamação que largou várias vezes ao longo da conversa.

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