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O cinema nacional tem, historicamente, dois territórios míticos: o sertão e a favela. Ambos são povoados por brasileiros pobres, oprimidos pela ordem social vigente, em histórias que geralmente atendem às expectativas do mercado externo, que espera deste canto do mundo imagens que reforcem estereótipos construídos no imaginário internacional desde a explosão do Cinema Novo, na virada da década de 60.

Enredos sobre a classe média urbana, portanto, são mais raros dentro da produção brasileira contemporânea. A exceção, talvez, fique por conta das comédias românticas, geralmente estreladas por atores globais e com propostas mais palatáveis, comerciais e descartáveis. Quem tem poder aquisitivo para comprar um ingresso de cinema, dessa forma, poucas vezes tem a oportunidade de ver seu dia-a-dia retratado de maneira mais profunda – e crítica. É por conta disso que um filme como Bendito Fruto, aparentemente despretensioso, é tão relevante nos tempos atuais.

Dirigido pelo estreante Sérgio Goldenberg (roteirista da Rede Globo), o longa-metragem, recém-lançado em DVD, conta a história de um casal atípico na mídia, mas comum na vida real. O cabeleireiro carioca Edgar (Otávio Augusto) divide o apartamento – e a cama – com Maria (Zezeh Barbosa, a impagável LaToya de A Lua Me Disse), que, para o resto do mundo, posa de sua empregada doméstica, por ser negra e pobre.

Edgar e Maria vivem uma história de idas e vindas desde a adolescência quando ela, filha da empregada da sua família, engravidou e foi despachada para uma clínica de aborto e eliminar, sem alarde, a "prova do crime". Conclusão: Edgar jamais fica sabendo ser ele o verdadeiro pai de Anderson (Evandro Machado), o filho da amante, que vive na Europa. Pensa que o rapaz é fruto de um outro relacionamento de Maria, no período em que ficou afastada de sua vida.

No entanto, esse jogo de aparências, bastante cômodo para Edgar e um tanto frustrante para Maria, chega ao limite do insustentável em decorrência de dois acontecimentos-chave. O primeiro é a entrada em cena de uma antiga colega de escola do cabeleireiro (Vera Holtz), que tenta conquistá-lo a todo custo. E o segundo, e mais importante, é o retorno de Anderson ao Brasil. O rapaz é gay e namora Marcelo Monte, astro de telenovelas vivido por Eduardo Moscovis, de quem Maria é fã incondicional.

Repleto de situações insólitas, Bendito Fruto, embora muito engraçado, é um contundente e, sobretudo, criativo comentário sobre a hipocrisia reinante na sociedade brasileira. De maneira leve, e sem discursos panfletários ou politicamente corretos, discute temas como preconceito racial, homossexualidade, a banalização da violência e até mesmo o poder alienante exercido pela televisão. É um dos bons filmes brasileiros de 2005. GGGG

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