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Montagem de palco na Praça Generoso Marques, durante a Virada Cultural de 2010:  festa na rua | Antonio Costa/ Gazeta do Povo
Montagem de palco na Praça Generoso Marques, durante a Virada Cultural de 2010: festa na rua| Foto: Antonio Costa/ Gazeta do Povo

Entrevista

José Guilherme Magnani, curitibano, doutor em Ciências Humanas.

Coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, autor do livro Jovens na Metrópole: Etnografias de Circuitos de Lazer, Encontro e Sociabilidade, José Guilherme Magnani diz que com esses eventos recentes, Curitiba está adquirindo uma postura cosmopolita.

O que explicaria o atual fenômeno de ocupação das ruas de Curitiba por eventos culturais?

Quando essas manifestações começam a ocorrer, é um sinal de que a cidade está adquirindo uma postura cosmopolita. Curitiba tem o Fringe, dentro do Festival de Teatro, que oferece algumas peças nas ruas, mas o uso do espaço público não é muito comum. Isso é um sinal de que a cidade está deixando de ser fechada e se abrindo para, digamos, um outro apelo social. É um bom sinal.

E os eventos espontâneos, criados via internet, como o ano-novo fora de época?

É a ocupação sem pedir licença. Acho interessante essa sociabilidade via internet, que acontece também face a face. Elas não se excluem. E é o poder público que tem de incorporar essas manifestações à sua rotina, e não o contrário. O espaço é público. O poder quer sempre normatizar as coisas, mas os atores sociais atuam à sua própria dinâmica. É preciso chegar a um acordo.

Qual o principal benefício de se criar eventos culturais nas ruas?

A ocupação de um espaço público deteriorado, por exemplo. E muitas vezes o espaço é deteriorado porque o shopping, que está ao seu lado, "consumiu" os cidadãos. A rua, então, vira um espaço de ninguém e tem, nesses eventos, uma chance de voltar a ser reconhecida.

  • Manhã seguinte ao ano-novo fora de época, que aconteceu na Praça da Espanha: lixo e sujeira deixados pelos
  • Multidão para ver o show de Paulinho da Viola na Praça Generoso Marques, em 2010: ninguém na grama, sinal de respeito ao espaço público

Ao que parece, o curitibano da gema está saindo do ovo. Manifestações culturais recentes têm comprovado que deixar a casa para o­­­cupar ruas e praças também pode voltar a fazer parte do cotidiano de uma cidade tida como encolhida, que prefere – ou preferia – o conforto das pantufas ao burburinho das festanças a céu aberto.

O capítulo mais recente dessa nova novela aconteceu no último dia 18, quando a Praça da Espanha e seu entorno, conhecido como Batel Soho, foi palco para um evento inédito por essas bandas: o ano-novo fora de época, que reuniu, segundo estimativas, entre 8 e 10 mil pessoas. Algumas vestidas de branco, inclusive. Não havia atrativo extra algum – banda ou campanha publicitária –, somente a vontade de fazer a contagem regressiva novamente e brincar de forma espontânea com a ideia de que, no Brasil, o ano começa mesmo depois do carnaval.

"O objetivo era reunir pessoas em uma praça para vivenciar algo novo. A festa foi organizada por todos que foram, já que cada um estava livre para se manifestar da forma que bem entendesse", disse Iuri Castelo, redator publicitário de 28 anos, um dos três idealizadores. A gênese surgiu no site de relacionamentos Facebook. Vinte e sete mil pessoas foram "atingidas" e 5.452, de 136 cidades do Brasil, confirmaram presença. Foi um fenômeno que tomou proporções gigantescas e que só vem confirmar a volta do interesse do cidadão curitibano em ocupar sua cidade, em usufruir dela, como era comum em décadas passadas.

O sucesso foi tanto que preocupou até a prefeitura – que vai notificar os organizadores, com o argumento de que eram necessários dois alvarás para a realização do evento, segundo informou a assessoria de comunicação da Secretaria de Urbanismo do município – e provocou uma certa revolta do diretor cultural do Batel Soho, Othon Accioly, também proprietário de um estabelecimento na Praça da Espanha. "Os organizadores consideraram uma reunião de amigos. Para nós, pareceu formação de quadrilha", esbravejou, citando o lixo deixado no local como prova do desbunde. "O evento foi bonito, foi bom ver a praça cheia. Mas os organizadores não se preocuparam com os reflexos de um evento desse porte."

Outra opinião tem Tânia Stoppa, nascida no interior do estado e moradora de Curitiba desde 1999. "O pessoal foi chegando, tomando conta dos espaços. Havia gente de todos os estilos, achei fascinante", diz a psicanalista, que foi ao evento com a filha e o marido e ficou até o "3,2,1...", antes da queima de fogos improvisada, à meia-noite. "Foi um movimento espontâneo, o que para mim evidencia que as pessoas têm desejo de contato, por mais que tenham combinado isso em uma rede social."

Cultura na rua

Outros eventos culturais recentes ganharam as ruas de Curitiba. E foram um sucesso sem tamanho. A Virada Cultural, ano passado, levou artes às ruas de diversos bairros e promoveu shows lotados mesmo durante a madrugada. A terceira edição da Quadra Cultural, que aconteceu há três semanas, fez com que 4 mil pessoas cantassem "Cadê Você" junto com Odair José em plena Rua Paula Gomes, no bairro São Francisco.

O Nu Jazz Festival, também em 2010, fez ressoar trompetes e saxofones na Rua Silveira Peixoto, no Batel. O Ruído nas Ruínas, evento que aconteceu há um mês, levou muitas bandas curitibanas ao palco montado no Largo da Ordem. Sem falar no pré-carnaval proporcionado pelo bloco Garibaldis e Sacis, que já virou tradição. Todos esses projetos, entretanto, tiveram organização formal e a maioria foi apoiada pela prefeitura de Curitiba.

Para o antropólogo e produtor cultural da Fundação Cultural de Curitiba Ozanam de Souza, o fenômeno de viver a cidade é relativamente novo por aqui, revela uma forma diferente de se expressar e de manifestar culturalmente e deve se tornar ainda mais forte. "Há cada vez mais esses movimentos de massa autogestionados, que acontecem nas ruas. Gosto muito deles, porque não há o que existia nas décadas anteriores: um líder ou uma causa. As pessoas saem de casa para ouvir música e para viver o lugar onde vivem. Essa é uma marca muito forte das novas gerações", diz.

A Curitiba tradicional, entretanto, ainda existe. Estaria lá na Boca Maldita, talvez conversando sobre causos de outrora; e, quem sabe, rogando praga nesses novos eventos que agitam a cidade. "Cada vez mais esses agitadores culturais vão encontrar barreiras em uma Curitiba tradicional. Isso é natural. Se houver respeito e tolerância, a coisa funciona", finaliza Souza.

Várias bocas malditas e um público diferente

"Ninguém segura mais", sentencia Arlindo Ventura, proprietário d’O Torto Bar e idealizador do aplaudido projeto Quadra Cultural, referindo-se à "nova" moda de criar eventos nas ruas de Curitiba. Paulista de Mauá e curitibano por adoção, Magrão, como é conhecido, mora em Curitiba desde 1989.

Ele aponta como causa do sucesso dos eventos a descentralização dos pontos de debates – onde pessoas se encontram – e a carência de espaços a céu aberto, nos quais o cidadão se sinta parte da cidade onde vive.

Também sugere campanhas e uma maior organização para evitar possíveis problemas em eventos de grande porte. "Curitiba está preparada para isso. Mas há que se fazer com responsabilidade. Os políticos, em vez de colocar barreiras, deveriam incentivar isso ainda mais", diz.

Quem ficou feliz da vida ao cantar nas Ruínas do São Francisco, durante o evento Ruído nas Ruínas, ocorrido há um mês, foi Edith de Camargo, do grupo Wandula. "Gosto da performance ao ar livre porque o público que passa por acaso é surpreendido, e acaba ficando. É uma sensação mais interessante do que quando tocamos em um teatro ou em um bar", diz a suíça radicada no Brasil.

Edith tem larga experiência profissional e já tocou em diversas cidades na Europa. Ocupar as ruas, diz ela, é uma tendência. "Os curitibanos estão procurando aumentar sua qualidade de vida, gerar um ambiente de cultura onde antigamente era um espaço público limitado."

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