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Marcelo Anthony: seu personagem é disputado pelas irmãs Lúcia e Alaíde | Divulgação
Marcelo Anthony: seu personagem é disputado pelas irmãs Lúcia e Alaíde| Foto: Divulgação

As cadeiras do Guairão tomadas para assistir à peça Vestido de Noiva, mon­­tada por Gabriel Villela, no último domingo, contrariaram a teoria de que a temporada de gripe enferrujou o hábito já irregular do curitibano de ir ao teatro. Por trás de um lençol branco, estendido diante da plateia – que simbolicamente pode ser compreendido como o início do delírio de Alaíde (Leandra Leal) após ser atropelada –, surgem figuras pertencentes ao universo de luxúria desejado pela reprimida noiva pequeno-burguesa. A moribunda tenta reconstituir o passado – a traição da irmã Lúcia (Vera Zimermann) e o seu fascínio pela biografia de uma prostituta, Madame Clecy (Luciana Carnieli), ao mesmo tempo em que aflora seu inconsciente.

Mulheres se beijando com longos vestidos que deixam os seios à mostra geraram algum burburinho na plateia. Um incauto senhor perguntou à companheira: "Já vai começar a baixaria?". A nudez, no entanto, não foi adiante em uma peça que deu à sexualidade, bem como a todos os outros aspectos deste texto de Nelson Rodrigues de 1943, tons mais cômicos e, portanto, mais suavizados.

Marcelo Anthony, por exemplo, dá ao personagem Pedro boa dose de cinismo – "cínico" é como é chamado pela noiva. Com atuação nada naturalista, ele dá ao seu corpo movimentos de boneco e impressiona pela bela voz com que entoa canções que dão à narrativa ares de musical. Em alguns momentos, sai de cena com gestos de quem fecha uma porta concluindo o movimento com a mão sobre seu pênis, numa divertida alusão ao seu papel de macho sedutor e objeto disputado pelas irmãs.

É nas interpretações, aliás, com destaque para Leandra Leal, em cena quase o tempo todo, que se estrutura esta adaptação, feita com pouquíssimos recursos cênicos. Vera Zimmermann é primorosa ao usar um registro de voz grave para disfarçar a própria identidade sob uma máscara de plástico. Os três planos criados por Nelson Rodrigues – alucinação, memória e realidade – não são representados no cenário, diferentemente da primeira encenação da peça, feita pelas mãos de Zbigniew Ziembinski, mas transparecem nas quebras de interpretação e nas mudanças de iluminação.

Villela acerta ao transformar plásticos-bolha em chapéus, véus de noiva, buquês, mantos e vestidos, mas os tecidos em cetim brilhante que vestem homens e mulheres vulgarizam um pouco a trama. O cenário, todo negro, não é bonito, mas é versátil e dá uma atmosfera funesta a toda a encenação. Todo espelhado, transforma-se na casa administrada por Ma­­dame Clecy; mas também é capela matrimonial e mortuária.

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