A diretora Agnès Varda foi uma das precursoras do Movimemto da Nouvelle Vague| Foto: Fotos: Divulgação
As Duas Faces da Felicidade fala pelas imagens

São Paulo - Foi um percurso sinuoso até a direção. A belga Agnès Varda chegou a Paris para estudar Museologia na Sorbonne, tornou-se fotógrafa e foi por essa via que chegou ao cinema. Fez fotos deslumbrantes do lendário Jean Vilar no Théâtre National Populaire (TNT). Em 1954, transformou Vilar e o TNT nos temas de seu primeiro longa-metragem, La Pointe Corte, após uma série de curtas (O Saisons, O Chateux, Du Coté de la Côte, etc.) em que teve Alain Resnais como montador.

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La Pointe Courte foi considerado "diferente" no panorama do cinema francês da época. Mais tarde, Varda foi etiquetada como precursora da Nouvelle Vague, mas o termo – e o movimento – ainda não existiam.

Em seu livro Nouvelle Vague – Portrait d’Une Jeunesse, Antoine de Baecque lista os 20 filmes que fizeram o movimento. Lá estão obras de Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jean Rouch, Alain Resnais. Há um filme de Varda, Cléo das 5 às 7, de 1962, e outro do marido da autora, Jacques Démy, Lola, a Flor Proibida, de 1960. Cléo concentra a vida de uma mulher em duas horas, durante as quais a valquíria Corinne Marchand espera pelo resultado de um exame que vai dizer se tem câncer ou não. Nada de muito grave ocorre. Corinne/Cléo passeia por Paris, tem encontros fortuitos, olha o mundo indiferente à sua ansiedade.

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Cléo das 5 às 7 concorreu à Palma de Ouro, mas o vencedor, naquele ano, foi o brasileiro O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. Três anos mais tarde, Varda fez Le Bonheur, que no Brasil foi lançado como As Duas Faces da Felicidade, recém-lançado no Brasil em DVD. Depois do sentido da vida, Agnés discute agora o conceito de felicidade. E, de novo, a morte flana sobre suas personagens.

É a história de um casal, interpretado por um casal de verdade, Jean-Claude Drouot e sua mulher, Claire. Levam o que parece uma vida perfeita. Casa, filhos, passeios aos domingos. Surge uma serpente nesse paraíso, outra mulher. Mas Marie-France Boyer não é fatal. Ela se introduz na vida de Jean-Claude, sem nada pedir. Ele vive a fantasia das duas mulheres. A "legítima" sente-se preterida. O desfecho reproduz o começo, com uma diferença. Jean-Claude nunca mais será o homem pleno que foi um dia.

O espectador que assiste hoje a As Duas Faces da Felicidade, mesmo cinéfilo, não é mais aquele que viu o filme há quase 45 anos. O mundo e o cinema mudaram, mas conceitos como amor, felicidade, fidelidade permanecem na ordem do dia. Fernanda Montenegro coloca a fidelidade – entre outras coisas – em discussão, num belo espetáculo sobre a ligação entre os filósofos Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, em cartaz no teatro, em São Paulo. O que é a felicidade? O conceito laico é um, o cristão se refere à bem-aventurança das Escrituras.

As Duas Faces da Felicidade quase não tem diálogos. Fala pelas imagens, filmadas em esplêndido colorido – é um dos mais belos filmes já feitos –, e pela música de Mozart. Que uma mulher tenha feito esse filme para falar do desejo, de um desejo, masculino, é misterioso. Varda, antiburguesa, foi sempre fiel ao marido. Quase 20 anos após a morte de Démy, em 1990, ela permanece dedicada à memória do ex-companheiro. É o casamento, como instituição burguesa – contrato social –, que contesta.

Serviço

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As Duas Faces da Felicidade. França, 1965. Cult Classic. Preço médio: R$ 33,90.