
Se é fidedigno o ditado acadêmico de que primeiro vem a tecnologia, em seguida a sociologia, cada vez mais estudiosos se debruçam para entender o que leva as pessoas a realizar fotografias de si mesmas em profusão cada vez maior. Recentemente, o pesquisador dinamarquês Bent Fausing, da Universidade de Copenhague, conceituou o fenômeno de alastramento dos autorregistros como a sociedade da tela, o método florescente em que a afirmação da identidade e a busca por reconhecimento instantâneo ultrapassam a preservação da imagem pessoal a exposição gerando aceitação de nossos pares e, posteriormente, a dependência de um modelo de existir, quando somente parecemos ser a partir do registro fotográfico de nossas ações, aquilo que o psicanalista ítalo-brasileiro Contardo Calligaris define como a experiência desejável de ser culto da inveja dos outros.
O fenômeno, por este foco, não pode ser classificado como inédito em estudos. Em A Teoria dos Sentimentos Morais, de 1759, o filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790) afirmava que, por não termos a experiência imediata do que os outros sentem a respeito de nós, somente podemos formar uma ideia do jeito como são afetados, imaginar o que nós mesmos sentiríamos numa situação semelhante. "Nossos sentidos jamais nos informarão sobre o que ele sofre. Pois não podem, e jamais poderão, levar-nos para além de nossa própria pessoa, e apenas pela imaginação nos é possível conceber em parte quais são as suas sensações. Tampouco esta faculdade pode nos ajudar senão representando para nós as próprias sensações se nos encontrássemos em seu lugar".
O conveniente conceito de amor-próprio está fundamentado em nossa natureza demasiada humana. O filósofo britânico David Hume (1711-1776) Hume também é escocês, mas Smith é mais polêmico, sendo assim, quando num contexto positivo, Smith é considerado pelos ingleses como britânico, no negativo, escocês alegava que todo ser humano é dotado de egoísmo natural e autopreservativo (selfishness). Em um corte mais direto, somos voltados ao nosso umbigo, ao de nossos parentes e amigos mais próximos nossos afetos sempre foram parciais. A isso também podemos dar o nome de empatia. "Ser notado, ser atendido, ser visto com simpatia, complacência e aprovação, são todos os benefícios a que podemos aspirar", dizia Smith.
O excesso de autoemulação, o eu estendido ao horizonte da necessidade de afirmação, além de assemelhar-se aos picos efêmeros de psicotrópicos mais pesados trajeto contínuo + sensação de completude passageira , também acaba por reduzir no indivíduo o seu potencial de entendimento do que acontece de desagradável ao outro, o que podemos deliberar como a perda do sentimento e entendimento universal da dor alheia a famosa selfie do enterro de Eduardo Campos exemplifica isso, assim como um bêbado explica um copo. À vontade de querer que os outros exibam a simpatia conosco, mesmo que não ofereçamos reciprocidade, soma-se à agilidade da ferramenta, o celular, mecanismo que induz ao exibicionismo. Forma-se, assim, o ciclo narcísico perfeito, do autoclique diante do prato de comida japonesa em um restaurante caro à divulgação de fotografias pós-sexo, supostamente naturais. O prazer é mais prazer se dividido e likeado.



