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Peça começa com figurinos de época | Fabiano Rocha/Divulgação/
Peça começa com figurinos de época| Foto: Fabiano Rocha/Divulgação/

É um sopro de ar fresco um espetáculo como Amanhã Sou Outro, com suas cenas contemporâneas, rápidas, criativas, bem ensaiadas. Bom teatro.

O que incomoda é a inclusão de evidentes bandeiras, provavelmente caras ao grupo de artistas, não necessariamente parte da realidade do autor.

A encenação faz parte de um projeto amplo que inclui a gravação da trilha sonora original (Leo Fressato) e de três videoclipes (dois deles já estão disponíveis no site do projeto, qorposanto3linguagens.com.br). O mesmo portal traz toda a obra do autor, que é de domínio público, numa iniciativa fantástica.

A imagem acima faz parte do início da peça e pode sugerir que se trata de uma montagem realista de época, mas não é o caso. Trata-se de uma sequência de esquetes inspiradas no texto desse dramaturgo não apenas mal compreendido, mas esquecido durante um século. A obra de José Joaquim de Campos Leão, nome real de Qorpo Santo, consiste em 17 peças escritas num curto período da década de 1860, mas somente nos anos 1960 é que seus escritos foram resgatados e encenados.

PROGRAME-SE

Amanhã Sou Outro

Teatro José Maria Santos (R. Treze de Maio, 655 – Centro), (41) 3304-7982. Direção de Nina Rosa Sá. 5ª a dom., às 20 horas (Até 3/5). Entrada gratuita. Classificação indicativa: 16 anos. Mais informações no Guia.

Há momentos no espetáculo visualmente (e sonoramente) impactantes, como a simulação de um exército de cuecas e um desfile de moda grotesco. Outros trechos tornam a experiência divertida, com direito a um game entre escolas e torta na cara.

É realmente ótimo que ele ganhe homenagens como esta, que fica em cartaz até domingo. Só permanece a pulga atrás da orelha em relação aos discursos colocados em sua boca.

Uma das cenas trata de forma lúdica a proposta do autor de uma nova gramática brasileira que obedecesse a sonoridade das palavras (tal como em “qorpo” no lugar de “corpo”).

Já outras extrapolam o escrito do autor para críticas sociais atuais. Considerado um precursor do absurdo no teatro brasileiro, muitas décadas antes de esse estilo ter pisados nos palcos da Europa, Qorpo-Santo cria em A Separação de Dois Esposos dois personagens serviçais que já foram um casal. O que para a época soava como absurdo em qualquer sentido do termo, no espetáculo se torna uma predição do clima polarizado e agressivo que temos hoje entre defensores e detratores da causa gay.

Menções a uma guerra fictícia em Hoje Sou Um; e Amanhã Outro unidas ao fato de Qorpo-Santo ter sido contemporâneo à Guerra do Paraguai deram ensejo a críticas (bem-vindas) ao discurso histórico que exalta a vitória brasileira. Por outro lado, essa escolha do texto faz supor que o dramaturgo tivesse sido um pacifista, o que aparentemente não foi.

A dramaturgia e as letras das canções criadas para o projeto ficcionalizam um Qorpo-Santo cuja voz teríamos desejo de ouvir, vinda lá do século 19, dizendo coisas que queremos dizer hoje.

Resta continuar escavando para que possamos conhecer melhor quem foi esse homem e a importância de sua obra. Como escreveu o crítico Yan Michalski, em 1968, na ocasião das primeiras encenações da obra de Qorpo-Santo: sua redescoberta torna “parcialmente obsoletos todos os livros de história da dramaturgia brasileira”.

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