Espetáculo “Hamlet - Processo de Revelação”, apresentado no Festival de Curitiba: debandada geral| Foto: Ismael Monticelli/Divulgação

Na primeira noite deste Festival de Teatro, o ator Emanuel Aragão precisou ser forte — e a plateia também. Seu “Hamlet” é, no fundo, uma conversa com o público, em que ele conta a peça de Shakespeare, sem interpretá-la, mesclando relatos pessoais. Para quem conhecia o enredo, a inovação fazia sentido. Mas, para muitos, isso não bastou, e a plateia debandou acintosamente, aos pares ou grupos. “É normal”, ele chegou a dizer em cena aberta.

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A grade deste Festival trouxe sobretudo espetáculos que procuram inovar, o que é válido, mas a reação do público mostra que existe um limite na recepção. E para a criação, deveria haver limites?

Na opinião do crítico Ruy Filho, da revista digital “Antropositivo”, o ideal quando se propõe algo novo é que o público sempre seja surpreendido. “Mas se você entra num espetáculo e tem a sensação de que já viu a mesma coisa cinquenta vezes, algo está errado”, considera. “As pessoas estão replicando modelos experimentais para se adequar ao mercado”, explica, referindo-se ao desejo dos grupos de serem escolhidos para festivais e mostras, que costumam privilegiar trabalhos experimentais.

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A peça “La bête”: à mercê do público 

Para Ruy, algo que surgiu como original no Rio de Janeiro e se espalhou a ponto de correr o risco de parecer mais do mesmo são perfis biográficos, quando o ator leva para a cena materiais pessoais. Outro recurso muito repetido hoje são exercícios de ensaio levados ao palco como sendo o próprio espetáculo.

Sem limites

Com outra opinião, a crítica paulista Beth Néspoli, do site “Teatro Jornal”, acredita que não há limites para a criatividade, e cita a interação com a plateia. “Isso já foi experimentado de várias formas. O grupo pode fazer, mas se o resultado vai ser mais ou menos potente, terá margem de invenção mais ou menos interessante, depende do grupo.”

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Como bons exemplos deste Festival, ela cita os espetáculos “Orgia”, em que os atores conversam com o público no início, tomando vinho, e “Vaga carne”, solo em que a voz da atriz Grace Passô entra em cena antes dela, pelas caixas de som, e a iluminação brinca com a plateia mostrando lugares vazios.

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Apesar de várias outras experiências resultarem em gente saindo durante o andamento da peça– o que, aliás, tem efeito bem diferente de uma saída no meio de um filme, já que os atores estão lá em carne e osso —, outros espetáculos desse Festival surpreenderam positivamente. Foi o caso de “Batucada”, em que a nudez era explícita, mas aparentemente não incomodou: mesmo na cena final, já na rua em frente ao teatro, ninguém foi embora, esperando para aplaudir.

E uma proposta das mais simples, em que o performer Wagner Schwartz simplesmente se colocava à mercê do público para que mexesse em seu corpo como se fosse um boneco (“La bête”), acabou impactando muita gente. “A proposta expõe tanto público quanto artista”, avalia o ator Eduardo Simões, que deitou em “conchinha” ao lado do artista. “Pode não ser a proposta mais original, mas continua muito eficiente em questionar a relação do público com a obra.”