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Federico Zurita: quem vai ao teatro no Chile é a classe média | Gabriela Lobos Guillaume/Divulgação
Federico Zurita: quem vai ao teatro no Chile é a classe média| Foto: Gabriela Lobos Guillaume/Divulgação

Neste ano, o Brasil não foi representado no festival de teatro Santiago a Mil, do Chile, que acontece em janeiro. Os festivais internacionais de São Paulo e Curitiba tampouco trazem obras do país (quase) vizinho. Apesar dessa distância, as realidades enfrentadas por artistas e estudiosos das artes nos dois países apresentam muita semelhança, como expôs o professor de literatura, dramaturgo e crítico de teatro Federico Zurita, convidado do Goethe Institut para um dia de debates do coletivo Agora Crítica Teatral, durante a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), no último dia 8.

Afora a clássica falta de incentivo público, proliferavam nas artes dos dois países questões prementes da política. No caso do Chile, os 40 anos do golpe de 1973 têm resultado em investigações sobre a democracia e a necessária repolitização da população. No Brasil, como deixou clara a programação da MITsp, encerrada no último domingo (13), a estética cede lugar à temática, com diversas obras abordando o racismo no Brasil. Saiba como foi a conversa de Zurita com a Gazeta do Povo.

Como funciona o financiamento público das artes no Chile?

Temos um Conselho Nacional de Cultura e Artes que regula o financiamento e a participação do país em eventos internacionais, como feiras de livros. A principal forma de participação do governo é um fundo para as artes, mas a precarização da produção obriga os artistas a viver esperando por essa verba. Ninguém pode planejar a longo prazo, apenas para o ano em questão.

A arte no Chile pode ser considerada elitista?

Os setores populares não vão ao teatro, têm outras prioridades, mas a elite também não, é muito ignorante, nem lê. Quem vai é a classe média. Mas durante a febre de janeiro o teatro é levado aos bairros.

Existe um trânsito entre a universidade e o mundo artístico?

No Chile, o mundo acadêmico é fechado, produz conhecimento que circula só no mundo acadêmico, dentro da lógica de publicações em revistas especializadas. E só os pares se leem, ninguém de fora desse mundo. No caso do teatro, a produção teórica é realizada pela mesma escola que forma atores. Então, se alguém de Literatura quiser estudar Teatro pode fazer isso, mas terá dificuldade, porque os especialistas em teatro estão em outra faculdade. E se alguém não pertence nem ao mundo teatral nem aos estudos literários, também não pode acessar esse conhecimento. Basicamente sobram os meios de comunicação de massa [para informar], por isso considero importante produzir uma transformação, porque nesse momento a crítica em veículos de massa está enfraquecida.

Por que está fraca?

Porque os textos são basicamente descritivos. Já na internet alguns poucos críticos estão tentando ampliar a produção, dar-lhe um potencial reflexivo, permitir a interpretação do teatro. Tudo tem a ver com tirar do mundo acadêmico aquilo que está fechado nele e levar à maior quantidade de gente possível. Pessoalmente, quero romper com a barreira que existe, estou nesses dois mundos.

E a cena teatral chilena, como está?

Muito bem, especialmente em Santiago. O teatro chileno é muito político por uma necessidade: nossa história recente é de transformações políticas radicais. A partir do golpe militar de 1973, o Chile foi refundado dentro dos moldes capitalistas, e nos últimos 40 anos surgiu a necessidade de reconstrução política. O teatro está envolvido nisso.

Quais são os temas abordados com mais frequência?

Uma necessidade a partir de 2010 foi por remontar os clássicos, quando comemoramos o bicentenário do início do processo de independência. Peças como “Los invasores”, de Egon Wolff, “Ánimas de día claro”, de Alejandro Sieveking, “La muerte y la doncella”, de Ariel Dorfman, e “Ernesto”, de Rafael Minvielle. E nos últimos três anos se tornou necessário revisar a história recente do Chile em razão dos 40 anos do golpe militar. Então nos vimos com dramaturgos de 32 anos, e que portanto nasceram depois disso, escrevendo obras cuja ação transcorre durante a ditadura, nos anos 80, quando provavelmente tinham 2 anos ou nem tinham nascido.

Como você vê isso?

Me parece que responde a uma necessidade do Chile desse momento, de que se discuta sobre algo que não se discutiu por muito tempo. A ditadura terminou em 1990, e a década seguinte viu a despolitização iniciada pela ditadura. Só depois, a partir do ano 2000, a sociedade passou a se politizar. E o teatro, 25 anos depois do retorno à democracia, está dando conta dessa necessidade.

E há público para essas obras?

Há salas lotadas, e um público que valoriza as peças políticas. Mas também tem alguns espetáculos com cinco pessoas na plateia. Já as obras comerciais têm um público esporádico.

Esse público vai ao festival Santiago a Mil?

Algumas pessoas vão somente em janeiro durante o festival, mas não ao longo do ano.

* A repórter viajou a convite do Goethe Institut.

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