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Sting: sem dom para as rimas | Arquivo Gazeta do Povo
Sting: sem dom para as rimas| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Londres – Estava folheando os jornais em uma banca e fiquei petrificada com a imagem da capa da Vanity Fair do mês de setembro. A revista estampava Nicole Kidman, ganhadora do Oscar e indicada ao prêmio duas vezes, com um boné militar na cabeça e a boca semi-aberta. Tal expressão, dizem por aí, tem o intuito de dar um ar "Marilyn Monroe", mas a meu ver só faz Nicole parecer (e me dói dizer isso) terrível e completamente vazia. Para completar esse "vácuo", ela está com a camisa aberta para expor os seios envoltos em um sutiã branco. A foto é totalmente desprovida de paixão. Dá até a impressão de que o diretor chegou no ouvido dela e disse: "Hora de um exame mamário" (vai ver que o editor até disse mesmo que ou ela "colocava pra fora" ou "ficava de fora" da capa da revista). "Nicole Kidman mostra tudo", grita o título.

Essa imagem de Kidman aparece poucos dias depois do lançamento da nova campanha Agent Provocateur, exibindo uma foto Maggie Gyllenhaal, duas vezes indicada ao Globo de Ouro, só de calcinha estudando de forma um tanto desavergonhada. A série completa de fotos foi publicada como parte de um livro de "aventuras" intitulado pobremente de Lições em Lingerie, no qual Gyllenhaal é uma personagem chamada de Miss AP. As fotos que já "vazaram" mostram a atriz em várias posições: levemente inclinada vestindo somente um sutiã preto e uma calça; olhando faceiramente por cima dos ombros com meias compridas e uma calcinha cheia de laços; fazendo festa em uma banheira; com os seios apertados em um corpete rosa, com o mesmo visual triste de Kidman; e, a mais provocativa de todas, jogada em uma cadeira,com as pernas escandalosamente abertas, vestindo apenas calcinha e sutiã.

O que pude perceber até agora é que a opinião geral sobre as fotos de Gyllenhaal é que elas são divinamente sexy (e, de fato, o encarte londrino de estilo do Sunday Times usou algumas delas como apoio para uma matéria sobre "paixões femininas").

Você deve estar se perguntando por que eu achei as fotos dela e de Kidman tão depressivas e tristes. Talvez seja porque estas imagens exibam mulheres como se fossem objetos sexuais. Afinal de contas, existe uma verdadeira abundância de "carne feminina" pendurada em bancas de jornal por aí. Imagens das estrelas de "Hollyoaks" (ou Hollywood) e participantes do Big Brother seminuas não têm mais poder para impressionar. Já as fotografias de atrizes famosas e suas lingeries me afrontam todos os dias, seja Angelina Jolie vestida em nada mais que um lençol de seda para a US Esquire ou sua rival Jennifer (Aniston) expondo os seios para a US GQ. Também achei "triste" a capa controversa da US GQ com Kate Winslet há alguns anos, não pelo motivo das pernas da garota terem sido "aumentadas" digitalmente, mas por não entender o porquê da atriz mais jovem a receber cinco indicações para o Oscar estar vestida apenas com um corpete sensual.

Já com relação à capa da Vanity Fair que exibia Tari Hatcher, que teve a sua história de abuso sexual quando criança ilustrada por uma foto dela vestindo nada além de um top e uma calcinha brancos que parece ter sido tirada logo após a atriz ter saído da cama.

Bem, me faltam palavras. Sinto um desconforto indescritível quando vejo estas fotos sugerindo que não importa quão talentosa uma mulher seja, quanta aclamação tenha recebido, a reputação inteligente que tenha, o fato de ter vencido o desafio de interpretar uma das mais talentosas escritoras, usando uma prótese enorme pendurada no nariz. No fim das contas, nada disso conta se ela não estiver disposta a reduzir-se a um par de seios e uma bunda.

Uma das demonstrações mais toscas disto aconteceu ano passado, quando a Vanity Fair (eles novamente) publicou a edição Hollywood. O designer de moda, Tom Ford, colocou juntas na capa Scarlett Johansson e Keira Knightley, duas jovens atrizes talentosas, completamente nuas. Não sendo bizarro o suficiente, Ford aparece na foto completamente vestido e "fungando" o pescoço de Knightley. Dentro da revista explica-se que a idéia de pôr o designer na foto foi um improviso de última hora e a revista critica "uma certa jovem atriz" que não quis ser vista fazendo parte de um "belíssimo sexo grupal feminino", e tinha "dado para trás" na hora de tirar as roupas.

Tal atriz, ficou-se sabendo mais tarde, era Rachel McAdams, que estava prestes a atingir fama estratosférica na primavera anterior. Ela apareceu em três filmes de 2005 que fizeram muito sucesso – Os Penetras Bons de Bico, Vôo Noturno e Tudo em Família – e muitos alegam que ela sozinha valia uma capa da Vanity Fair, com roupa e tudo.

Desde quando se recusou a "mostrar tudo", a fama de McAdams perdeu força e a atriz praticamente saiu de cena (parece que ela recusou algumas ofertas de papéis secundários) enquanto a de Knightley e Johansson atingiu às alturas. Coincidência? Talvez. Esse ocorrido nos mostra que existe uma fórmula muito simples – tire a roupa e veja sua carreira decolar – mas é claro que não é tão simples assim. É um negócio muito arriscado sair mostrando tudo (as mesmas pessoas que aplaudem seu sexo são as que não vão mais levar em consideração o seu talento), ao mesmo tempo que é muito arriscado não tirar a roupa (veja o caso de McAdams e com certeza o de muitos outros atrizes "de princípios" através das décadas).

Estrelas como Nicole Kidman e Maggie Gyllenhaal com certeza sabem dos riscos, o que me leva a outro aspecto depressivo. Para muitas mulheres, ao que parece, não importa quanto sucesso tenham, a necessidade de agradar aos homens dizendo "Não importa quão poderosa e inteligente eu possa parecer, eu sou apenas uma coelhinha de lingerie para você" arrasa tudo. Agora se me dão licença, preciso secar as lágrimas do meu teclado.

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