Minissérie
Desejo recriou o caso na tevê
A trágica história do triângulo amoroso formado por Euclides da Cunha, Ana e Dilermando de Assis serviu de base para a minissérie Desejo , que foi ao ar pela Rede Globo entre 27 de maio e 22 de junho de 1990. Escrita por Glória Perez e dirigida por Wolf Maia e Denise Saraceni, a produção, já lançada em DVD, conta em tom folhetinesco, mas convincente, a história que tomou conta da imprensa brasileira em 1909. No papel de Saninha, uma Vera Fisher da cebelos e olhos castanhos (a atriz usou lentes de contato) digladia-se entre o dever, representado pelo papel de esposa de Euclides (Tarcísio Meira), e a paixão, personficada na figura do garboso Dilermando (Guilherme Fontes, foto).
A requintada reconstituição de época e as boas atuações, sem falar de uma considerável fidelidade histórica, fazem da minissérie um dos pontos altos da tevê brasileira nos anos 90. GGG1/2 (PC)
A historiadora paulista Mary Del Priori defende uma tese em Matar para Não morrer A Morte de Euclides da Cunha e a Noite sem Fim de Dilermando de Assis: o assassinato do autor do clássico Os Sertões, em 1909, teve várias outras vítimas. E, talvez, a maior de todas tenha sido o autor dos disparos que tiraram a vida do escritor e jornalista.
Quando Cunha saiu de sua casa, no bairro carioca de Copacabana, rumo ao subúrbio de Piedade, na zona norte do Rio de Janeiro, estava tomado pela ira. Queria lavar sua honra com o sangue da esposa, Ana, mais conhecida como Saninha, e seu amante, o jovem tenente Dilermando de Assis, 17 anos mais jovem do que ela.
Quis o destino, no entanto, que, embora o tenente e seu irmão mais novo, Dinorah, tivessem sido atingidos pelas balas do revólver Cunha, o único a sair morto da chamada Tragédia da Piedade fosse o próprio escritor. Militar experiente e hábil atirador, Dilermando agiu em legítima defesa e, no momento em que apertou o gatilho de sua arma, desencadeou um pesadelo que jamais teria fim para ele, Ana e sua família.
Estimado intelectual, integrante da Academia Brasileira de Letras, Euclides da Cunha era como ainda é um herói nacional. Obra monumental do jornalismo e da literatura, Os Sertões, relato sobre a Guerra de Canudos, o elevou ao panteão dos grandes das letras nacionais. Por conta disso, a reação da sociedade e da imprensa foi implacável ao condenar, muito antes de qualquer julgamento, tanto Dilermando quanto Anna, tachados como adúlteros, traidores, degenerados. De quebra, Dinorah de Assis, que ficaria paraplégico em decorrência da bala que levou pelas costas, também cairia em desgraça.
Para Mary Del Priori, o crime passional envolvendo Anna, Euclides e Dilermando extrapolou os limites das páginas policiais porque, de certa forma, feriu mortalmente valores e certezas que norteavam a sociedade brasileira da época. Autora de A História das Mulheres no Brasil, livro premiadao com o Jabuti na categoria de Ciências Humanas, a autora retrata em ricos detalhes o contexto histórico no qual Saninha ousou agir em nome do próprio desejo, algo imperdoável no comportamento de uma mãe de família de seu tempo.
Filha de família burguesa, Ana casou-se com Euclides, mas não ganhou exatamente um companheiro. Sempre ausente em suas longas viagens de trabalho pelo Brasil, o escritor deixava a desejar como provedor, chefe do lar, amante e até mesmo como pai dos três filhos que teve com Saninha. Deixava-a só por longos períodos e parecia um tanto indiferente em relação aos sentimentos da esposa e à educação dos filhos. Obstinado pelo ofício, colocava suas pesquisas, seus escritos, acima de tudo. Era mais mito do que homem, até mesmo dentro de casa.
Quando Dilermando, um aspirante a militar ainda na adolescência, muda-se para a pensão de suas tias no bairro de Botafogo, lá reencontra Ana Cunha, que fora amiga de sua falecida mãe quando moravam, os Cunha e os Assis, em São Paulo. O rapazote, alto, loiro, de olhos claros, muito maduro para sua idade, encontra em Saninha um objeto de desejo físico ela era uma mulher muito bonita para os padrões estéticos da época e uma fonte de afeto quase maternal.
Carente, a sra. Euclides da Cunha também sucumbe a essa atração irrefreável. Antes mesmo da morte do escritor, essa paixão clandestina já teria produzido dois rebentos, um morto pouco depois do nacimento e o outro, Luiz, registrado por Cunha como filho, mas claro como Dilermando.
A traição conjugal, quando praticada pela mulher, tinha a essa época, afirma Mary Del Priori, apenas uma forma de ser reparada: a honra usurpada havia de ser lavada com sangue. Naqueles primeiros anos do século 20, os jornais vertiam casos de amor, vingança e morte. E a Justiça brasileira, patriarcal em sua essência, via na legítima defesa da masculinidade maculada uma justificativa sustentável para o homicídio.
Apesar disso, Dilermando foi absolvido por duas vezes pelo tribunal militar que o julgou. Para revolta da intelectualidade da época, que enxergou na sentença um insulto à memória de Eiclides da Cunha, e da imprensa, que não hesitou ao jogar na lama a reputação do jovem oficial, de Ana, com quem se casaria logo depois e teria cinco filhos, e de Dinorah, que depois de buscar alento no alcoolismo e cair na medicância, suicidou-se no Rio Grande do Sul anos mais tarde.
Até a morte, em 1951, Dilermando lutaria pelo resgate de sua honra e de seu irmão. Também fez o que pôde para preservar Saninha, de quem se separou após anos de uma relação conturbada e ferida de morte quando tirou a vida, também em autodefesa, Euclides da Cunha Filho, filho da companheira com o escritor. E é essa saga que Matar para Não Morrer busca reconstituir e discutir. GGGG
Serviço:
Matar para Não Morrer A Morte de Euclides da Cunha e a Noite sem Fim de Dilermando de Assis, de Mary Del Priori. Editora Objetiva, 160 págs., R$ 29,90.
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