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Trabalhadores presos na mina San José, no Chile: horas e dias se tornam mais lentos
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Confinamento, fome, perigos, ambiente, idade, entre outros fatores, alteram a maneira como cada pessoa percebe a passagem do dia, do ano, da vida. Os índios hopis, do Arizona, falam uma língua sem referência ao tempo. O professor Edson Delattre, da Unicamp, tem muito a dizer sobre o assunto deste Caderno G Ideias. Confira:

Passagem do tempo

"Não há uma concepção única de tempo entre os homens. Conforme afirmou o físico teórico norte-americano John Wheeler, 'o tempo veste um traje diferente para cada papel que desempenha em nosso pensamento'.

O nosso sentido interno de tempo depende da sensação intrínseca da passagem do mesmo e tem correlação com o psiquismo e com as experiências externas em que o mundo exterior dá outras marcações. Dessas inter-relações com o ambiente, o sentido do tempo pode sofrer grandes mudanças. É da experiência humana geral o fato de que, quando estamos empenhados com muita atenção, e geralmente com prazer, num determinado ato, o tempo passa rápido e que, ao contrário, quando o tédio e/ou desagrado comandam a ação, o tempo é longo.

Os índios hopis do Arizona, estudados por Lee Whor, falam uma língua sem qualquer referência ao tempo. Os azandes, povo do Sudão, compactam presente e futuro, propiciando intervenção atual sobre acontecimentos que ocorrerão no futuro. Os nuers, outra tribo do Sudão, não possuem uma categoria temporal comparável à ocidental. Pensam e relacionam os acontecimentos como uma sucessão de atividades, apresentando uma curiosa marcação externa que pode evocar as possíveis posições do homem pré-histórico."

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Uma névoa

"De qualquer forma, nossa civilização é a que mais consciência tem do tempo, o que fez com que ele mais influísse no nosso estilo de vida. O tempo é como a névoa; ambos só nos permitem divisar adiante na medida em que caminhamos por eles.

Muitos fatores interferem nessa percepção intrínseca do tempo, como: confinamento, fome, perigos, ambiente desagradável, idade etc.

Imagine a eternidade dos oito segundos, para um peão de rodeios, que se equilibra durante os corcoveios de um cavalo xucro."

Construção intelectual

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"Não nascemos com o sentido do tempo. Ele parece ser adquirido pela criança nos primeiros três anos de vida e depende da demora em conseguir satisfazer suas necessidades mais básicas, como saciar a sede e a fome. O sentido de tempo parece ser uma construção intelectual muitas vezes relacionada com o espaço que deve ser vencido para satisfazer as necessidades. De qualquer forma, o conceito pleno de tempo demanda o desenvolvimento da capacidade de abstração que só vem a ocorrer bem mais tardiamente na vida. Aos 8 anos, parece que já existem os conceitos de antes e depois.

Jean Piaget testou a percepção infantil para uma série de perguntas sobre o tempo, a distância e a velocidade e concluiu que tais conceitos não estão presentes na mente da criança, mas exigem uma construção. A criança de 2 a 6 anos faz sua avaliação com base no momento presente. Depois começa a levar em conta outros fatores, como o ponto de partida. Só mais tarde vai dominar esses conceitos. Piaget perguntou a uma criança pequena: 'Sua mãe nasceu antes ou depois de você?'. A criança respondeu: 'Não me lembro mais'. Crianças um pouco mais velhas já buscam respostas mais elaboradas. A referência da criança sobre o tempo é o tamanho, o crescimento em estatura.

Como ainda á pequena, não tem a percepção do envelhecimento. As crianças acham que os cachorros não envelhecem. A noção dos efeitos da passagem do tempo vai sendo construída e, na pré-adolescência, as respostas já se assemelham às dos adultos. O tempo da criança de pouca idade é o tempo do presente. Nessa fase, o tempo da criança é o tempo das ações. Ela não conhece o passado, não conhece o futuro e não precisa deles.

Para as crianças mais velhas, jovens e adultos, o conceito cronológico é do tempo operatório. O tempo torna-se reversível enquanto forma porque presente, passado e futuro são recortes relativos e variáveis de uma mesma coisa."

Divisões

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"Um ano, fatiado em estações, meses, semanas etc, efemérides, festividades e eventos tradicionais e comemorativos, transcorre muito mais rapidamente do que se fosse, simplesmente, um ano consolidado. Um dia, subdividido em manhã, tarde, noite, horas, minutos e segundos, composto de horários das refeições, dos afazeres, das preces, passa mais rápido do que se fosse, simplesmente, um dia consolidado."

Metabolismo

"A constatação de que pessoas idosas têm a sensação subjetiva de que o tempo passa muito rápido, ao contrário de crianças, que têm sensação oposta parece, também, estar ligada à velocidade do metabolismo. Idosos apresentam declínio do metabolismo, expansão da unidade de base temporal do seu cronômetro cerebral (cronômetro de intervalo) e, consequentemente, a sensação de que o tempo exterior passa mais rapidamente. Já a criança, dotada de metabolismo mais intenso, apresenta contração relativa da sua unidade de base temporal e, consequentemente, a sensação de que o tempo exterior passa mais lentamente."

Lento transcurso

"O tédio faz com que a pessoa tenha a impressão de um tempo expandido, tempo que não passa, tempo lento e modorrento. Para avaliar isso, basta conversar com um recluso, um encarcerado. Sua rotina pobre e imutável, que se resume aos horários das refeições, do banho de sol e, eventualmente, do futebolzinho, aliada a uma eventual pobreza mental e intelectual, que não propicia diálogos criativos e instigantes, torna as horas, dias, meses e anos de cárcere uma lenta tortura. Não há assuntos para conversas, as leituras são controladas e rígidas. O mesmo ocorre com as vítimas de sequestro mantidas sob riscos, em cativeiro. Imagine, também, quanto mede o tempo para aqueles que se encontram em situações aflitivas e de risco de vida, como os mineiros soterrados na mina chilena. As agruras, medos, a angústia, o sofrimento, também proporcionam a sensação subjetiva de um tempo expandido, de lento transcurso."

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