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Robert Grainier, o protagonista de Denis Johnson, tem sonhos constantes com trens | Reprodução
Robert Grainier, o protagonista de Denis Johnson, tem sonhos constantes com trens| Foto: Reprodução

Romance

Sonhos de Trem

Denis Johnson. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza. Companhia das Letras, 88 págs., R$ 34.

Há uma série de leituras possíveis de serem feitas a partir do ambíguo e misterioso título do novo romance do escritor americano Denis Johnson, Sonhos de Trem. Por um lado, a atmosfera sombria de solidão e fantasia que envolve o protagonista Robert Grainier, trabalhador braçal que ajuda a construir as veias dos Estados Unidos na primeira metade do século 20, se assemelha em muito a um sonho, rápido e passageiro como a extensão do romance sugere. Por outro lado, Grainier — cuja origem é desconhecida, tendo simplesmente chegado de trem a uma cidade de Idaho quando criança — e seus sonhos com trens sugerem, de acordo com uma conhecida interpretação, a necessidade de seguir em frente ante as vicissitudes da vida.

Porém, nenhuma delas é completamente acertada. O romance de Johnson, embora seja rápido e curto, é concentrado e denso em sua apreensão da realidade e, ao contrário do que sonhar com trens significa, Grainier, que em cinco anos, casa-se e perde a esposa e a filha pequena em um incêndio devastador, retrai-se cada vez mais para o coração selvagem do país e torna-se um eremita sem sequer tomar consciência disso. De certa maneira, o universo de Grainier se relaciona com essa névoa onírica na não solução das coisas.

Essa é a ideia que o autor transmite quando inicia o livro. Um grupo de operários tenta agarrar um trabalhador chinês que estava roubando e decidem castigá-lo. Grainier, que estava alheio à violência, resolve se juntar ao bando, mas todos falham ao tentar matar o homem, que foge deixando o protagonista com a certeza de que uma maldição foi jogada sobre si. A esse episódio inicial seguem-se vários outros cujo desfecho lógico escapa às mãos dos personagens pela inoperância de cada um, todos envolvendo algum tipo de tragédia

Paralelo a isso, episódios fantasiosos aparecem ao fundo, reforçando a sensação de ser uma história sonhada, como conversas com um índio kootenai que entende a cabeça dos lobos, um encontro com a folclórica menina lobo, um homem que é baleado por seu próprio cachorro – em legítima defesa, segundo ele – e um encontro com o homem mais gordo do mundo, que viaja numa caravana a bordo de seu trailer, com direito a uma breve passada pelo trem do rei Elvis Presley.

Embora Sonhos de Trem siga uma trajetória que tem seu ápice na morte da mulher e da filha de Robert Grainier, não se pode dizer que o processo de superação do trauma pessoal e expurgação espiritual do protagonista comecem a partir deste episódio. Grainier é um desses homens desde sempre um tanto indiferentes em relação à vida, lembrando em muito o protagonista Koistinen, do filme Luzes na Escuridão (2005), do diretor finlandês Aki Kaurismäki, em sua ausência de senso crítico moral e alienação ao convívio social, facilmente confundida com misantropia. O protagonista de Denis Johnson é um homem solitário, sem passado e com poucos objetivos alcançados na vida. Com isso, o autor mostra que mesmo o homem comum da América pioneira guarda em si uma complexidade psicológica igualável à dos protagonistas dos grandes romances ocidentais. E, para um homem pequeno, um livro pequeno, afinal. GGG

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