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John Dos Passos fez parte de uma verdadeira galáxia literária: a dos escritores nascidos ou formados em Chicago. Entre eles figuram Hemingway, James T. Farrell, Sherwood Anderson, Nelson Algren, Ring Lardner Jr., Theodore Dreiser, Saul Bellow, L. Frank Baum (O Mágico de Oz), Edgar Rice Burroughs (o pai do Tarzã), Brett Haliday (autor de westerns), Robert Bloch (Psicose), Philip K. Dick (Blade Runner). Foi também um dos que mais cedo alcançaram o sucesso. Nascido em 14 de janeiro de 1896, publicou em 1920 um romance polêmico sobre a guerra, Três Soldados. Vinha da experiência direta do conflito: em 1917 atuou como voluntário na Primeira Guerra dirigindo ambulâncias na França e na Itália. Além dele e de Hemingway, muitos nomes célebres serviram como motoristas: o romancista Somerset Maugham, o poeta e.e. cummings, os compositores Maurice Ravel e Vaughan Wiliams, os cineastas René Clair e Jean Cocteau e, apenas com 16 anos, Walt Disney. Gertrude Stein também pegou no volante. Não fosse sua intimidade com o automóvel, talvez jamais chegasse a cunhar o termo Geração Perdida. Quando um jovem mecânico não soube consertar seu carro, o dono da oficina deu uma bronca no rapaz, recém-chegado da guerra: "Vous êtes tous une génération perdue!" Miss Stein repassou o mote a Hemingway: "Vocês são todos uma geração perdida."

Origens

A história pessoal de John Roderigo Dos Passos explica sua complexa trajetória. Filho ilegítimo de John Randolph Dos Passos, um advogado de origem portuguesa da Ilha da Madeira, só aos 16 anos foi reconhecido pelo pai. Especialista em trustes, o pai era defensor dos poderosos conglomerados industriais: talvez uma ponta de revolta filial, além da grande simpatia pelo movimento socialista, tenha levado Dos Passos para a esquerda. O pai não poupou em sua educação: além de estudar nas melhores escolas, Dos Passos, ainda jovem, fez com um tutor particular uma viagem de seis meses pela França, Inglaterra, Itália, Grécia e Oriente Médio para estudar os mestres da arte, arquitetura e literatura clássicas. Em Paris no final da guerra, aproveitou para estudar antropologia na Sorbonne.

De volta aos Estados Unidos, obteve sucesso comercial com o romance Manhattan Transfer, em 1925. Já a essa altura ele experimentava novas técnicas de narração e – a exemplo de Joyce – trabalhava com o "fluxo da consciência", levando mais a fundo esse trabalho na sua obra-prima, a Trilogia U.S.A. (Paralelo 42, 1919 e O Grande Capital, publicados em 1930, 1932 e 1936), em que usa técnicas de colagem de recortes de jornal, e módulos narrativos como a transcrição de cinejornais e "o olho da câmara".

Engajamento

Dos Passos empenhou-se seriamente e campanhas socialistas, como a defesa dos operários Sacco e Vanzetti, injustamente condenados à morte em 1927; no ano seguinte viajou pela Rússia para estudar o sistema socialista; em 1935, foi um dos principais participantes do Primeiro Congresso de Escritores Americanos, de inspiração comunista, mas já então começava a desconfiar do autoritarismo de Stálin. Um episódio de cunho pessoal levou Dos Passos a romper com os esquerdistas durante a Guerra Civil espanhola em 1937. Ele descobriu que seu amigo e tradutor de suas obras para o espanhol, José Robles, não foi morto pelos fascistas, mas executado pela própria contraespionagem dos republicanos espanhóis. Rompeu, em particular, com Hemingway e Herbert Matthews, que tentaram acobertar o fato. Tempos depois, ele escreveria: "Amadureci a ideia, especialmente desde minha viagem à Espanha, de que as liberdades civis devem ser protegidas a cada passo. Na Espanha, estou seguro de que a introdução dos métodos da polícia secreta de Stálin pelos comunistas fez tanto mal quanto seus militares experientes fizeram bem. O problema com uma polícia secreta todo-poderosa nas mãos de fanáticos, ou de qualquer pessoa, é que, assim que ela se põe em movimento, não consegue parar até ter corrompido todo o corpo político. Receio que é o que está acontecendo na Rússia."

Malcolm Cowley, num dos melhores livros sobre a Geração Perdida (Exile’s Return, 1934), assim o define: "John Dos Passos foi o maior viajante numa geração de escritores ambulantes. Quando aparecia em Paris estava sempre a caminho da Espanha, da Rússia, de Istambul ou do deserto sírio. Mas seu principal ponto de exceção era ser um radical nos anos 20, quando a maioria dos seus amigos era indiferente à política, e tornar-se cada vez mais conservador na década seguinte, quando muitos de seus amigos estavam se tornando radicais."

Ainda segundo Cowley, "ele falava por quase todos quando, nos últimos dias de sua incômoda aliança com os comunistas, descrevia-se como ‘apenas um antiquado defensor da liberdade, igualdade e fraternidade.’"

Em 1947, sua mulher Katharine Smith, com que estava casado há 18 anos, morreu num acidente de automóvel em que Dos Passos perdeu a visão de um olho. Em 1949, casou-se com Elizabeth Holdridge, com quem teve sua única filha, Lucy (ambas o acompanharam na visita ao Brasil em 1958). Dos Passos continuou escrevendo até morrer, em Baltimore, em 1970, aos 74 anos.

Embora tenha publicado 42 romances, sua fama chegou ao auge em U.S.A., que inspirou a Sartre a trilogia Os Caminhos da Liberdade (em 1936, Sartre chamou Dos Passos "o maior escritor do nosso tempo.") Outros que reconheceram sua influência foram o alemão Alfred Döblin, autor de Berlin Alexanderplatz; e os americanos Mary McCarthy e Norman Mailer que resumiu: "Aqueles três volumes de U.S.A. compõem a ideia do grande romance americano."

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