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Agendar uma entrevista com dois atores contratados da Globo pode parecer difícil. É o tipo de gente que tem agenda cheia, que você precisa ligar várias vezes para achar, que precisa viajar de uma cidade para outra o tempo todo. Mas, marcar a conversa com Simone Spoladore e Ranieri Gonzalez no meio de uma semana de trabalho, é surpreendentemente simples. Embora ela tenha uma viagem para o Rio em poucas horas e ele tenha um compromisso na mesma manhã, os dois se empenham, acordam mais cedo, mudam o que é preciso.

Simone e Ranieri encabeçam o elenco da peça Apenas o Fim do Mundo, dirigida por Marcio Abreu, que fechou a primeira temporada na semana passada, no Teatro José Maria Santos, com ótima presença de público. O espetáculo volta ao cartaz no próximo dia 13, no Teatro do HSBC. A dupla bateu um papo descontraído com o Caderno G, falando sobre seu trabalho e a respeito de fazer teatro em Curitiba.

Caderno G – Para fazer uma boa carreira como ator, você tem de sair de Curitiba?

Ranieri Gonzalez – Eu não saí, na verdade. Eu só fui trabalhar fora com televisão, que aqui não tem. Porque se tivesse televisão aqui, eu tenho certeza de que nós estaríamos gravando aqui também. E eu só fui sair daqui depois de 20 anos. Eu acho que não é necessário sair.

Simone Spoladore – É só que o mercado aqui é pequeno mesmo, e é um pouco difícil. Mas é difícil em todos os lugares. Se tivesse mais campo de trabalho aqui...

Os atores que saem daqui costumam voltar dizendo que o teatro de Curitiba não deve nada ao de São Paulo e do Rio de Janeiro. Vocês já tiveram essa experiência. A comparação é válida ou isso é balela?

Simone – As coisas boas daqui são tão boas quanto as de lá. E as coisas ruins daqui são tão ruins quanto as de lá. E as coisas boas são poucas, tanto lá quanto aqui. Na verdade, o teatro está meio esquisito. Eu ouço pessoas mais velhas que falam de uma época em que o teatro tinha mais vigor.

Ranieri – Era mais fácil de fazer, era mais fácil de montar um espetáculo, o poder aquisitivo era outro. As pessoas tinham mais grana para montar o espetáculo.

Simone – E o ingresso é muito caro. Quer dizer, não é caro porque não paga as contas. Mas, para quem está indo ao teatro, é caro. Acho que o teatro não está se comunicando com a vida.

Ranieri – E também com o grande público. Virou uma coisa de elite. As pessoas ainda não sabem ir ao teatro, como também não têm acesso ao cinema.

Simone – No cinema, além de termos poucas salas, estão todas ocupadas pelo cinema americano.

E como o teatro poderia ser mais popular? Vocês tentam barateá-lo?

Ranieri – Nós tentamos, começando pelo nosso ingresso, que é de R$ 15. Eu sei que tem muita gente que não tem R$ 15 para ir ao teatro, mas não é um absurdo. O cinema é mais caro, o teatro de Rio de Janeiro e São Paulo é mais caro. E nós estamos oferecendo um texto inédito, que é uma estréia nacional, com uma estrutura legal, sem patrocínio – temos só apoios, como o do Consulado da França. Então, não é caro o que nós estamos cobrando.

E o que mais pode ser feito para popularizar o teatro?

Ranieri – Mesmo eu fazendo televisão, as pessoas não estão interessadas em ir ao teatro. Elas estão interessadas em ver outras coisas. Querem ver "Pit e Belinha" no Guairão. As pessoas não estão interessadas em ver um texto como esse (de Apenas o Fim do Mundo). É uma surpresa que nós estamos com o teatro lotado todas as noites. Para Curitiba, é uma surpresa.

Vocês acham que o fato de vocês terem ido para a televisão e fazerem novelas influencia na presença maior do público?

Simone – Eu acho que o que leva as pessoas a irem ver uma peça é a peça mesmo. O público não vai para ver um ator. A não ser que seja uma Fernanda Montenegro, um Nanini, que daí já tem o público dele de teatro.

Ranieri – Mas o curitibano tem isso. O curitibano vai ao Guairão, mas não vai ver a peça, vai ver o artista. A elite curitibana que coloca o casaco de pele para ir ao Guairão vai ver o artista.

E vocês acham que já estão sendo afetados por isso?

Ranieri – Quando eu montei Van Gogh aconteceu muito isso. Eu tinha acabado de fazer novela (Esperança) e muita gente foi ver "o Maurício da novela" fazendo Van Gogh.

Vocês voltaram ao teatro com um texto muito denso. A idéia era fugir da superficialidade da tevê mesmo?

Simone – É claro. O que a gente faz na tevê já está feito, não precisa fazer igual no teatro. O bom é ter a possibilidade de se aprofundar em um trabalho, como o teatro permite, como o cinema às vezes também permite.

Ranieri – Porque na verdade é onde a gente cresce mesmo. A tevê é uma indústria massificante. Você tem de ir lá, decorar e fazer. Não dá para montar personagem, não dá para fazer nada. No teatro é que você procura textos bons, trabalhar com um diretor bom.

Vocês estão fazendo a peça com um grupo intitulado Companhia Brasileira de Teatro, que curiosamente é fundado e tem base em Curitiba. Normalmente os grupos que usam "nacional" ou "brasileiro" no nome são de São Paulo ou do Rio de Janeiro.

Ranieri – O Márcio Abreu (diretor do grupo) tem um trabalho legal. Eles tentam estrear em outras cidades. A Volta ao Dia em 80 Mundos estreou fora, Suíte 1 mal passou por aqui. Mas sempre a gente trabalha aqui, monta o trabalho aqui. Com essa peça acho que vai ser legal. Acredito até que a gente vai sair do país, talvez fazer na França.

Você falou que a elite da cidade não está interessada em ver as peças. Isso é um problema para vocês?

Ranieri – Eu acho que tenho muita sorte. Quando a gente estava para estrear a peça, eu vi que nosso ingresso ia ser de R$ 15. No mesmo caderninho do Guaíra, eu vi uma peça com o André Matos e com o Marcos Pasquim que ia custar R$ 80. O público que vai ver Apenas o Fim do Mundo sabe o que vai ver. Eu acho que o público do casaco de pele vai ver o Marcos Pasquim e o André Matos. E isso me dá uma tristeza. Por ser curitibano e por saber que a maior parte da elite não vai me ver ali no José Maria Santos, isso me dá angústia. Mas estamos felizes com o público da peça porque é o público que realmente se interessa pelo que a gente está fazendo.

Para terminar, queria que vocês fizessem uma pergunta um para o outro.

Simone – (depois de uma pausa) Ser ator te deixa mais sensível ou mais embotado para as emoções?

Ranieri – Eu acho que as duas coisas. Me deixa vulnerável porque a gente é super-sensível. E também me deixa preparado, me ajuda a viver a cada dia, me ajuda a ser ator.

Sua vez, Ranieri.

Ranieri – (depois de uma pausa mais longa) Se existissem aqui em Curitiba meios de a gente fazer cinema e televisão você gostaria de ficar aqui mais tempo?

Simone – Eu sinto bastante saudade daqui. Do aconchego da família e dos amigos. E eu fico pensando que fazer teatro na terra em que você nasceu faz mais sentido. Você está criando vínculos com as pessoas, comunicando-se com elas. O trabalho vai se transformando, elas vão acompanhando, você vai acompanhando as pessoas. Tem uma coisa mais de clã, mais de contato. Por outro lado, eu adoro a multiplicidade das coisas, diversidade. Isso na vida, não só no trabalho. De trabalhar num lugar, de fazer um filme, ir embora e depois voltar. De fazer uma peça aqui e amanhã estar no Rio de Janeiro. Então, não sei se eu ficaria o tempo todo aqui.

Ranieri – Você é mais do mundo. Eu fico nervoso de ter de viajar. Eu sofro. Mas eu gosto.

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