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Figura complexa, Joaquim Nabuco foi um dos maiores defensores da causa abolicionista e renomado playboy | Divulgação/Companhia das Letras
Figura complexa, Joaquim Nabuco foi um dos maiores defensores da causa abolicionista e renomado playboy| Foto: Divulgação/Companhia das Letras

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Confira alguns títulos sobre Joaquim Nabuco

Série Perfis Brasileiros – Joaquim Nabuco

Angela Alonso. Companhia das Letras, 354 páginas, R$ 41,50. Biografia.

Livro aborda tanto aspectos pessoais quanto da vida pública de Nabuco.

Mundos de Eufrásia

Claudia Lage. Record, 420 págs., R$ 47,90. Romance histórico.

Obra reconstitui o relacionamento conturbado entre Nabuco e Eufrásia Teixeira Leite, apontada como o grande amor de sua vida.

A noção de que o Brasil é um país sem memória pode, afortunadamente, começar a ser questionada. Depois do importante debate nacional, surgido em decorrência da comemoração dos 500 anos da chegada de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, ocorrida em 2000, e do bicentenário da transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 2008, podemos pensar que realmente algo está mudando. Não é gratuita a crescente oferta de livros e revistas sobre história brasileira nas livrarias. Também em outros meios culturais, a temática voltou a aparecer com mais frequência, o que também instiga o interesse do público brasileiro por sua história.

Na esteira desses eventos, o governo federal promulgou em junho de 2009, a lei 11.946, que instituiu 2010 como o Ano Nacional Joaquim Nabuco, relembrando seu centenário de falecimento. Resta perguntar o que justifica tamanha homenagem e que significados ela traz.

Joaquim Nabuco (1849-1910) foi um homem de múltiplos talentos. Pernambucano, nascido no seio de uma importante família da elite regional, sem grandes recursos financeiros, mas conectada com influentes canais que conduziram os Nabuco para o centro do poder no Rio de Janeiro, capital da monarquia brasileira. O berço privilegiado permitiu que se tornasse cosmopolita, e como quase todos os homens de sua classe social, cursou Direito. Mas jamais seria advogado, pois atuou como diplomata, jornalista, literato, historiador, político e ativista social. Mas era também um homem complexo, pois, antes de ingressar no serviço diplomático e na política, perseguiu um casamento vantajoso com uma linda órfã milionária, que poderia patrocinar uma vida de requinte, boas roupas, viagens e prazeres, típica para um dândi que Nabuco era.

A herança política do pai, Nabuco de Araújo, importante político liberal da primeira fase do Segundo Reinado, fez-se sentir no filho, que acabou por ter despertada a vocação política, ressaltada pelo talento de oratória e facilidade em estabelecer contatos. Essencialmente liberal e conectado com o avanço social, cultural e científico de seu tempo, foi um convicto defensor da abolição da escravatura e atuou decisivamente no parlamento, na imprensa e nos altos círculos sociais nacionais e internacionais para acabar com a prática da escravidão no Brasil.

Apesar de ter se tornado uma celebridade nacional e ser considerado por alguns como um playboy superficial, sua participação política foi séria e sua noção do problema da escravidão e do regime de trabalho no Brasil nada tinha de ingênua. Percebia claramente que o sistema escravocrata comprometia decisivamente o presente e o futuro econômico e social do Brasil. Percebia que não bastava a abolição pura e simples. O governo e a sociedade precisavam também dar apoio aos antigos proprietários para que se mantivessem ativos economicamente e não se opusessem ao fim do regime escravocrata, mas principalmente, criar condições para que os libertos pudessem superar a tragédia da escravidão, através de escolas públicas, propriedade da terra e recursos técnicos e financeiros suficientes. Sem isso, para Nabuco, a maldição da escravidão levaria séculos para ser superada no Brasil, como talvez profetizou.

Nabuco, apesar de católico, foi um forte crítico da atuação da Igreja de sua época. Sua crítica era direcionada ao seu silêncio e tolerância em relação à tragédia humana da escravidão, mas também à postura antiliberal e reacionária da Santa Sé no século 19, que repudiava os avanços científicos e sociais de seu tempo. Foi também um forte defensor da separação da Igreja e do Estado, da liberdade religiosa, assim como da promoção do ensino público laico. Isso não impediu que no final da vida se reconciliasse com a Igreja.

Monarquista convicto, defendeu a implantação de um parlamentarismo de inspiração britânica no Brasil e uma maior democratização da participação política. Amigo da família real, afastou-se momentaneamente da vida política com a Proclamação da República, refugiando-se na Europa. Retornou depois, para defender os interesses da nação como diplomata, assumindo o posto de embaixador do Brasil em Washington.

Foi também incentivador da vida cultural e intelectual no Brasil, sendo membro fundador da Academia Brasileira de Letras e como autor de várias obras literárias respeitadas.

Penso que a redescoberta atual de Joaquim Nabuco e o espanto frente à sua importância histórica e estatura de grande estadista dão-se também em consequência da mediocridade apresentada pela maior parte da liderança política brasileira atual. Escândalos envolvendo dinheiro escondido em roupas íntimas e líderes políticos fugindo de suas responsabilidades ou demonstrando absoluta incapacidade administrativa despertam a demanda por figuras exemplares do passado. Não é gratuita a redescoberta de figuras como Nabuco ou dom Pedro II, que apesar de suas limitações, ao menos tentaram atender ao que imaginavam ser o interesse nacional.

Resta esperarmos que a eleição, que de forma tão propícia acontece no Ano Nacional de Joaquim Nabuco, traga políticos que se inspirem na grandeza desta tão significativa figura política brasileira.

*Wilson Maske é doutor em História pela Universidade Federal do Paraná e professor da PUCPR e da UniCuritiba.

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