A culpa pelo suicídio de Sylvia Plath é até hoje atribuída a seu marido Ted Hughes| Foto: Reprodução

Ensaio

A Mulher Calada: Sylvia Plath, Ted Hughes e os Limites da Biografia

Janet Malcolm. Tradução de Sergio Flaksman. Companhia das Letras. 240 págs., R$ 19,50. Biografia.

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Separação de Hughes e Plath é o núcleo das biografias
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Em um cemitério do pequeno vilarejo de Heptonstall, no condado de Yorkshire, Inglaterra, há um túmulo onde hoje leem-se as inscrições "em memória de Sylvia Plath Hughes, 1932-1963". Mas, durante muito tempo, não foi bem assim. Nos anos 80, o sobrenome de casada da poeta norte-americana era constantemente arrancado da lápide. Bastava o marido de Sylvia, Ted Hughes, ter seu nome restaurado na placa, para, na manhã seguinte, vê-lo arranhado até que tivesse restado somente o buraco das letras no granito.

Os vândalos nunca foram pegos ou identificados. Supunha-se que eram feministas e fãs enraivecidos, devotos de um mito unilateral: o da artista genial e esposa dedicada levada à loucura pelo adultério de seu marido. Em uma manhã gelada de 1963, Sylvia Plath, aos 30 anos, pôs fim à própria vida inalando o gás que saía do forno deixado deliberadamente aberto. Protegeu os filhos pequenos, Frieda e Nicholas, isolando o quarto com toalhas molhadas. Há cinco meses havia se separado de Ted Hughes. Há poucas horas havia finalizado os poemas que viriam compor sua obra-prima, Ariel, publicada dois anos depois.

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Até a sua morte, em 1998, aos 68 anos, Ted Hughes foi tido como responsável direto pelo suicídio de Sylvia, embora ela sofresse de depressão desde a adolescência e já tivesse tentado se matar em mais de uma ocasião. As inúmeras biografias sobre a poeta publicadas desde que ela morreu, a exemplo dos contos da mitologia e do folclore, até hoje apresentam um poder da separação firme e invariável entre o bem e o mal. E Hughes, apesar de ser um poeta laureado na Inglaterra e um dos melhores escritores britânicos desde 1945, segundo um ranking publicado no jornal The Times, sempre foi mais conhecido como o homem que arruinou a vida de Sylvia Plath. O mal em carne, osso e palavras de poeta.

Defesa

Assim como um advogado apresentando uma defesa que sabe ser fraca, mas, ainda assim, considera justa por alguma razão obscura, a jornalista norte-americana Janet Malcolm (leia mais sobre ela na página 4) reacendeu o debate sobre o caso Plath-Hughes em meados dos anos 90 ao publicar o ensaio A Mulher Calada: Sylvia Plath, Ted Hughes e os Limites da Biografia, recém-lançada no Brasil em edição de bolso pela Companhia das Letras.

Para restaurar o nome de Hughes a uma posição de honra, Janet destrincha quatro biografias escritas sobre Sylvia Plath desde sua morte até o início dos anos 90 (leia mais no quadro ao lado). Em contato direto com Olwyn Hughes, irmã de Ted que, na época, era agente literária do espólio da poeta, Janet revela as dificuldades dos jornalistas pesquisadores do tema em obter permissão para citar os poemas de Sylvia em suas respectivas biografias, assim como cartas, diários e manuscritos. "O período da dissolução do casamento entre Plath e Hughes é o núcleo radioativo de todos os empreendimentos biográficos sobre Sylvia Plath. Aqui se encontra o minério precioso que os biógrafos tanto se empenham em arrancar dos irmãos Hughes", descreve.

Janet não somente assume ter escolhido o lado dos irmãos Hughes, como coloca em xeque a importância dada à obra de Sylvia. "Muitos já se perguntaram se, não fosse por seu suicídio, a poesia de Sylvia Plath teria atraído tanto a atenção do mundo. Eu tendo a concordar com os que dizem não. Os poemas carregados de morte nos comovem e eletrizam por sabermos o que ocorreu", diz. A autora questiona ainda as memórias reveladas por testemunhas da época publicadas pelos biógrafos de Plath, profissionais que, para ela, deveriam "ter as antenas ligadas para detectar as distorções tendenciosas, as falsas recordações e as mentiras puras e simples."

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Percorrendo o interior da Inglaterra, a jornalista entrevista alguns dos corajosos escritores que ousaram tentar saber mais sobre como a saudável e rechonchuda garota norte-americana, bolsista em Cambridge, tornou-se a mulher magra e branca na Europa, que escreveu poemas como "Lady Lazarus", "Daddy" e "Edge". Com a elegância que é peculiar à sua escrita, Janet mescla psicanálise, poesia, biografia e reportagem, envolvendo o leitor com o magnetismo de uma trama policial.