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Um doce petulante

Oscar Wilde foi tão audacioso na vida quanto em sua ficção. O irlandês nasceu em Dublin, em 1854, filho de um médico e de uma escritora. Ainda jovem, sobressaiu-se por seus estudos sobre as culturas grega e latina.

Em 1882, viajou aos Estados Unidos para falar sobre o Movimento Estético, que recém-criara. No ano seguinte, visitou Paris e, ao conhecer o mundo literário francês, acabou desistindo do movimento.

De volta à Inglaterra, casou-se com Constance Lloyd, com quem teve dois filhos. De modos sofisticados e extravagantes, tornou-se presença indispensável em eventos sociais. Neste período, o escritor chegou a ter três peças em cartaz simultaneamente nos teatros ingleses.

Em 1887 e 1888, publicou contos e novelas como O Príncipe Feliz, O Fantasma de Canterville e A Importância de Ser Prudente, uma das mais importantes obras da dramaturgia inglesa. Em 1891, lançou sua obra-prima, o romance O Retrato de Dorian Gray.

O apogeu literário veio junto com a decadência pessoal. Suas atitudes cada vez mais audaciosas desafiavam a moralidade aristocrática inglesa. Conheceu lorde Alfred Douglas (ou Bosie, como era apelidado), cujo pai, sabendo do envolvimento do filho com o escritor, enviou uma carta a Wilde, chamando-o de pederasta. O escritor decidiu processá-lo por difamação, mas acabou sendo ele próprio processado e condenado a dois anos de cárcere por sua relação homossexual com Bosie.

As obras de Wilde foram recolhidas das livrarias e suas comédias tiradas de cartaz. A fortuna que lhe restava foi utilizada para pagar as despesas do processo judicial.

Na prisão escreve mais duas obras, A Balada do Cárcere de Reading e De Profundis, uma longa carta a lorde Douglas. É libertado em maio de 1897 e viaja para a França, onde passa o resto da sua vida na miséria. Morre em 1900, de meningite.

Edson Bueno gosta de cometer heresias. Sua última peça, Projeto Poe: O Corvo, reuniu fragmentos de diversas obras de Edgar Allan Poe para falar da trajetória do autor norte-americano. Agora, o dramaturgo comete outro crime, a comédia Salomé: Um Sonho de Oscar Wilde, que o público poderá testemunhar a partir de amanhã, às 20 horas, no Espaço Cultural Falec.

Mas o autor irlandês, que escrevia da mesma maneira anti-convencional como vivia, com certeza não se importaria de ser alvo de homenagem tão abusada – Bueno relaciona obras e fatos da vida de Wilde sem se preocupar com sua veracidade ou ordem cronológica. "Tomei emprestada uma motivação do próprio Wilde, que disse: 'Prefiro a minha verdade, a falsa, que é mais verdadeira!'", conta.

A frase deu coragem ao diretor para se lançar sem culpa na criação de uma comédia que retratasse, de forma imaginária, o processo de criação da única tragédia de Wilde, Salomé, adaptação da história bíblica para o teatro.

A montagem mistura a ficção criada por Bueno à adaptação de fragmentos de poesias, aforismos e comédias ilustres feitas por Wilde para o teatro, como o O Leque de Lady Windermer, Um Marido Ideal e A Importância de Ser Prudente. Mais do que a tragédia bíblica, são elas que inspiraram a montagem paranaense. "Utilizo muito da ironia fina das comédias de costume de Oscar Wilde. É um tipo de humor que faz cócegas no cérebro, não no estômago. O riso do público é o de quem compartilha um inteligência", comenta o diretor.

Apesar disso, Salomé continua sendo o grande eixo da peça. Oscar Wilde escreveu o texto pensando em Sara Bernhardt como protagonista – ela tinha 51 anos e a personagem tinha 16. Mas, quando a atriz estava pronta para a estréia, as autoridades ingleses censuraram a montagem, alegando que a lei proíbia retratar personagens bíblicos no palco. Na verdade, Wilde era persona non grata entre as autoridades, que temiam um espetáculo obsceno ou revolucionário.

Mas, o texto, montado três anos depois por Sara Bernhardt, em Paris, foi fiel à história bíblica, mesmo que ela tenha sido adaptada para o século 19. "A diferença é que ele transformou a história de Salomé em poesia,com sua linguagem, que tinha como princípio máximo a estética, o belo", diz Bueno.

O encenador retrata todas as fases de criação de Salomé – uma desculpa para criar uma peça esclarecedora de aspectos da obra e da vida de Wilde. "Não quis esconder o homem Oscar Wilde, com todas as suas contradições", explica. Ele assume sua heresia, inclusive, no palco, em que interpreta dois personagens. Os seis atores que fazem parte do elenco – além de Bueno, Áldice Lopes, Laura Haddad, Pagu Leal, Tiago Luz e Marcel Gritten – alternam-se para dar vida a um total de 11 personagens, reais e fictícios.

As pessoas reais são Wilde, Sara, o produtor e os outros dois atores da peça. As fictícias são João Batista, Herodes, Salomé, seu amante Pierre Zizou e sua mãe Erodíate, Narciso (personagem de um poema do autor), Lady Windermer e Lorde Darlington (da comédia O Leque de Lady Windermer). Os personagens reais encarnam os personagens retirados das obras de Wilde em um "palco dentro palco", durante os ensaios de Salomé.

Serviço: Salomé: Um Sonho de Oscar Wilde. Espaço Cultural Falec (R. Mateus Leme, 990), (41) 3382-2685. Estréia amanhã, às 20 horas. Ingressos a R$ 14 e R$ 7 (meia). De quarta a domingo, sempre às 20 horas. Até 8 de fevereiro.

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