O fato de a primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, ter anunciado, na madrugada de domingo para segunda (horário de Brasília), Argo como o vencedor do Oscar de melhor filme teve um inegável valor simbólico. O longa de Ben Affleck, que ficou de fora da disputa de melhor diretor, resgata um grande êxito da CIA, na virada da década de 80, durante a administração do presidente democrata Jimmy Carter.
A ação, orquestrada pela agência de inteligência norte-americana em parceria com o Ministério das Relações Exteriores do Canadá, conseguiu tirar do Irã, graças a um plano mirabolante que envolveu, inclusive, a indústria do cinema em Hollywood, um grupo de diplomatas que havia escapado da invasão, por radicais, da embaixada dos EUA em Teerã, durante a Revolução Islâmica de 1979.
Embora tenha sido o ator veterano Jack Nicholson o responsável por entregar as estatuetas aos produtores de Argo, Affleck, George Clooney e Grant Heslov, o anúncio foi feito por Michelle, da Casa Branca, ao vivo. Isso quer dizer muita coisa. Ela até reforçou a ideia de que os nove concorrentes eram todos filmes muito bons, mas a escolha de Argo pareceu mais do que pertinente em um momento no qual a confiança dos norte-americanos em seu governo está algo chamuscada, devido à crise econômica que o país atravessa e à sua errática política externa.
Portanto, faz mais sentido que um caso de sucesso desenterrado do passado tenha sido a opção, em vez de reconhecer A Hora Mais Escura, de Kathryn Bigelow, também indicado na categoria principal. Afinal, trata-se de um filme que, apesar de retratar o processo que culminou com a morte do líder terrorista Osama Bin Laden, teoricamente um triunfo da pátria, também mexe em um vespeiro polêmico, insinuando que, para que a missão fosse cumprida, foi necessário, ao longo dos anos, recorrer a métodos pouco defensáveis para a obtenção de informações, como a tortura. Em Argo, pelo menos segundo o roteiro de Chris Terrio, a vitória foi da criatividade, e não da força bruta e da truculência.
O filme de Affleck, enquanto thriller político, é muito eficiente e, se não ousa, reafirma o talento de um cineasta aplicado na missão de perpeturar fórmulas testadas e aprovadas do cinema norte-americano. Mas o fato de ser um ator que virou diretor talvez tenha pesado contra ele frente à concorrência. Vale lembrar, contudo, que no passado a Academia já premiou Kevin Costner (por Dança com Lobos) e Mel Gibson (Coração Valente), até menos experientes por trás das câmeras do que Affleck.
Direção
Na categoria de melhor direção, a Academia, que poderia ter ousado muito dando a estatueta ao alemão radicado na Áustria Michael Haneke, por Amor, preferiu Ang Lee. As Aventuras de Pi nem fez tanto sucesso assim nos Estados Unidos, mas já rendeu quase US$ 600 milhões nas bilheterias de todo o mundo, e reafirma o talento e a sensibilidade de um diretor inventivo, que já havia vencido na categoria com o controverso O Segredo de Brokeback Mountain ele tem um terceiro Oscar, de melhor filme estrangeiro, por O Tigre e o Dragão.
As Aventuras de Pi ganhou outras três estatuetas: melhor fotografia, efeitos visuais e trilha sonora. Todas muito merecidas. Haneke acabou ficando com o prêmio de melhor longa-metragem estrangeiro. Mas Amor merecia mais.
Sua estrela, a veterana Emmanuelle Riva, que fez no domingo 86 anos, teria sido uma escolha mais justa da Academia para o Oscar de melhor atriz. Mas Jennifer Lawrence acabou confirmando seu favoritismo por O Lado Bom da Vida. A jovem estrela de Jogos Vorazes, que já havia sido indicada uma vez por Inverno da Alma (2010), é, de fato, um talento. Mas tem apenas 22 anos e sua escolha pode se revelar prematura Gwyneth Paltrow, por Shakespeare Apaixonado (1998), tinha 26, e o Oscar não exatamente impulsionou sua carreira.
Na categoria de melhor atriz coadjuvante, a Academia, que tem a tradição de premiar jovens estrelas em ascensão, seguiu a mesma tendência e deu o prêmio a Anne Hathaway, que de fato está muito bem como a operária/prostituta/mendiga Fantine do musical Os Miseráveis, que venceu em duas outras categorias: melhor maquiagem e mixagem de som.
Atores
Por Lincoln, Daniel Day-Lewis, cuja vitória era dada como certa, tornou-se o único ator a vencer três vezes na categoria principal já havia ganho antes por Meu Pé Esquerdo (1989) e Sangue Negro (2007).
Ele recebeu a estatueta de Meryl Streep, que ganhou ano passado por A Dama de Ferro, e, em seu discurso, brincou que a ideia inicial era que ele tivesse feito o papel da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e Meryl, o do presidente americano.
Entre os coadjuvantes, Christoph Waltz, por Django Livre, venceu pela segunda vez ele já tinha sido premiado antes por Bastardos Inglórios (2009), também dirigido por Quentin Tarantino, que levou neste ano seu Oscar número 2, pelo roteiro original de Django. O primeiro foi por Pulp Fiction Tempo de Violência (1994).
Em tempo: a apresentação do mestre-de-cerimônias Seth McFarlane deixou muito a desejar, com falta de desenvoltura do comediante e diretor, que se perdeu em piadas sem graça.
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