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Em seu novo disco, "Baladas do asfalto e outros blues", Zeca Baleiro encara a estrada a bordo do Volks TL vermelho que aparece na capa. Quem estiver disposto a se sentar no banco do carona e ouvir as 13 canções não pode acusar o artista de repetir suas rotas. Ao mesmo tempo, é inevitável reconhecer que Baleiro tem intimidade com aqueles caminhos, não passeia ali pela primeira vez.

Escrevendo de outra forma: no CD, o músico se reinventa e se repete, nem sempre em doses iguais, exatamente como tem feito desde o início de sua carreira. Basta ver seus trabalhos mais recentes, o denso e acústico "Líricas", o eletrônico e experimental "Pet shop mundo cão" e o popular-sofisticado "Raimundo Fagner & Zeca Baleiro", cada um com uma personalidade mas todos trazendo as marcas inconfundíveis do compositor. Ou melhor, trazendo os clichês de Baleiro, como ele mesmo chama.

- Todo artista deveria construir seus próprios clichês, fazer música popular é construir um abecedário de clichês - defende. - Há um alarde muito grande em torno do novo, muitas vezes em detrimento da qualidade real. As pessoas tem medo da redundância, de se repetir, elas querem ser hypes. Mas o hype muitas vezes é uma merda. Além disso, a banda que hoje é hype, amanhã já é ultrapassada.

- Não faz mais sentido falar em vanguarda. Quando Arrigo Barnabé fez "Clara Crocodilo" ele não estava apenas rompendo. Estava prestando tributo a Schoenberg, a outros que vieram antes dele. Não conseguimos fugir desse rabo preso - diz, numa frase bem "baleiriana". - O que podemos fazer é acrescentar outras camadas ao trabalho de quem veio antes. No meu caso, persigo a refinada simplicidade da canção, mas sempre buscando novas pegadas, novas embalagens para ela.

É exatamente o que faz em "Baladas do asfalto". Desta vez, as canções são embaladas por muitas mãos, num disco orgânico, rock, baladeiro, gospel, negro. Gravado ao vivo no estúdio, o CD guarda sonoridade de banda - "o meu trabalho musicalmente mais coeso", palavras de Baleiro. As "cordas populares" de Billy Brandão e Tuco Marcondes, com os violões na linha de frente (seguido de guitarras e cítaras e violões de 12 e banjos e bandolins e ukelele) dão o norte, com o auxílio do baixo de Dunga e da bateria econômica de Marcelo Costa. Tudo é encorpado pelas "cordas eruditas" (violino, viola e violoncelo), com regência de Lui Coimbra, ao lado dos teclados de Humberto Barros e dos samplers de Walter Costa.

Em música e letra, "Baladas do asfalto" acompanha o espírito estradeiro sugerido pela arte do encarte e pelo título. Algo como a contemplação desencanada de quem vê a paisagem passar tomando vento na cara. Ou a angústia de quem está indo em busca de algo distante - exposta em carne viva em versos como "A solidão é meu cigarro". Um road movie em forma de canções, enfim. Baleiro busca o pé no chão de trovadores como Bob Dylan e a pisa fundo seguindo a trilha de Roberto Carlos nas curvas da estrada de Santos - ele dedica "Muzak", faixa 10, ao Rei e cita um verso de "Por isso corro demais" na música anterior, "Cigarro".

- Muitas pessoas participaram da construção da música popular brasileira, mas Roberto Carlos está no centro disso tudo - afirma.

Além de Roberto, o disco traz citações de Mutantes (na canção "Cachorro doido") e um poema de Murilo Mendes musicado por Baleiro ("Mulher amada"), mapeando vagamente as referências de Baleiro.

- Podem parecer artistas conflitantes, mas minhas referências são amplas. Fui criado ouvindo rádio, onde Roberto Carlos e Mutantes eram a mesma coisa.

A assinatura (ou os clichês) de Zeca estão na forma como ele joga com as palavras em "Alma nova" ("Calma alma minha/ Calminha") e "Meu amor minha flor minha menina" ("O melhor da vida é isso e ócio/ Minha cara, minha carolina"), além de imagens como a do Jesus Cristo pendurado na parede ("O silêncio") e a construção lírica de "Muzak", juntando Arari com Nova York e Cariri com Bangcoc.

Ao defender suas idéias, porém, Baleiro parece dizer "eu escolho meus clichês" - Há alguns que ele se recusa a tomar para si. Provocado sobre como o artista popular deveria se comportar num momento de grave crise política, como o que o Brasil vive agora, ele diz que desconfia do discurso engajado, mais precisamente de posturas como a de Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, que tem protestado contra os escândalos do governo em seus shows e cobra de outros artistas o mesmo comportamento.

- O artista tem compromisso em fazer arte. Política é feita na vida. E a arte não precisa ser engajada para ser política. Uma canção libertária não precisa falar de mensalão - resume.

Pegar a estrada para valer com o show, só em setembro, começando pelo Nordeste do país. Em outubro, ele faz o circuito Rio-São Paulo. Na turnê, Baleiro venderá outros dois discos que estão prontos e serão lançados paralelamente a "Balada do asfalto". Um traz poemas de Hilda Hilst musicados pelo ele e interpretados por cantoras como Rita Ribeiro, Maria Bethânia e Ná Ozzetti. Outro é um disco póstumo de Sérgio Sampaio, feito a partir de fitas inéditas. Bifurcações totalmente coerentes com a rota traçada por Baleiro até aqui.

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