Vinhedos de altitude e cultivo vegano são algumas das razões da extrema qualidade dos vinhos da espanhola Altolandon.
Vinhedos de altitude e cultivo vegano são algumas das razões da extrema qualidade dos vinhos da espanhola Altolandon.| Foto: Divulgação
  • Por Porto a Porto
  • 20/12/2021 20:08

A Denominação de Origem (DO) Manchuela não tem a fama da Rioja ou do Priorato, por exemplo, que levam a apelação DOCa (Denominação de Origem Qualificada), a mais alta da Espanha. Mas a procura por originalidade no mundo dos vinhos tem destacado cada vez nomes de regiões inusitadas que originam rótulos de destaque internacional. É o caso da Bodega Altolandon, estabelecida na província de Cuenca, na DO Manchuela, em Castilla-La Mancha, centro da Espanha.

O projeto Altolandon, do casal Rosalia Molina e Manolo Garrote, é uma aposta bem-sucedida em vinhos de altitude. Para isso, em 2000, eles escolheram vinhedos situados em Landete, com 1.100 metros de altitude no seu ponto mais alto. Atualmente, são 200 hectares em um local que ostenta alguns dos mais altos vinhedos do país.

Desde o princípio, a filosofia é fazer vinhos de alta qualidade a partir do cuidado extremo com o vinhedo, sendo que o cultivo é ecológico e os vinhos são veganos (com certificação europeia). A junção de fatores como altura, clima frio e solo pobre reflete-se em exemplares muito frescos, com fruta e mineralidade únicas e próprias do terroir.

Altitude: diferencial do terroir

Os vinhedos em altitude reúnem condições ideais para uma produção de grande qualidade e conferem características únicas aos vinhos: a melhor radiação solar e a amplitude térmica favorecem o amadurecimento pleno e prolongado das uvas, o que resulta em aromas e sabores diferenciados, grande variedade de cor, amplitude e profundidade de aromas e grande complexidade em boca, sendo muito aptos ao amadurecimento em barricas.

Outra vantagem das condições de terroir da vinícola é o vento que sopra ininterruptamente e que faz com que as videiras se mantenham “limpas” e saudáveis sem a utilização de pesticidas. A Altolandon cultiva uvas que seriam muito difíceis em outras regiões da Espanha, como as internacionais Malbec e Cabernet Franc. Destaque também para a autóctone Bobal, tinta que origina vinhos suculentos e complexos.

Os vinhos

São oito rótulos tintos recém-lançados no Brasil, todos veganos, e comercializados pelo e-commerce Grande Adega. O Mil Historias Bobal é elaborado com esta uva (Bobal) de vinhedos de até 70 anos. Estagia durante quatro meses em barricas de carvalho francês. A safra 2018, disponível no Brasil, ganhou 90 pontos no Guia Peñin, o principal da Espanha. Apresenta aromas complexos, entre os quais se destacam notas de pimenta e baunilha, com toques de noz-moscada. Também há caramelo e grãos de café. Em boca, é fresco e com ótima acidez.

Mil Historias Bobal, da vinícola Altolandon.
Mil Historias Bobal, da vinícola Altolandon.| Divulgação

O Mil Historias Garnacha, que recebeu 91 pontos do Guia Peñin, possui sabores de frutas vermelhas, como framboesa fresca, com notas de especiarias e pimenta branca. Fresco, equilibrado e com longo final, amadureceu por quatro meses em barricas de carvalho francês. Os demais varietais da linha Mil Historias são Tempranillo, Malbec e Syrah.

Vinho Altolandon
Vinho Altolandon| Divulgação

Além deles, há os rótulos L’Ame Malbec, que estagia 16 meses em barricas de carvalho francês e recebeu 90 pontos no Robert Parker (para a safra 2012, disponível no Brasil); o Rayuelo Bobal, elegante e frutado, que estagiou 8 meses em barricas de carvalho francês; e o premiado Altolandon, uma combinação das uvas Syrah, Grenache e Cabernet Franc, de vinhedos velhos, que amadureceu durante 24 meses em barrica de carvalho francês.

Rosalia Molina, a enóloga da vinícola espanhola Altolandon.
Rosalia Molina, a enóloga da vinícola espanhola Altolandon.| Divulgação

Aqui uma breve entrevista com Rosália Molina.

Você e o Manolo são os proprietários e cuidam da produção de vinhos, correto?

Sim, eu e Manolo somos os proprietários da Altoandon. Manolo é o responsável pela viticultura, pois é Engenheiro Agrônomo, e eu sou enóloga.

Qual o ano da fundação da vinícola?

Fundamos a vinícola no ano 2000, a partir do zero. Hoje, possuímos 200 hectares de vinhedos orgânicos (com certificação europeia). Não utilizamos produtos químicos, todo o processo é feito com o máximo respeito ao meio ambiente, à biodiversidade e à paisagem. A altitude é uma excelente aliada para que tudo seja o mais natural possível, proporcionando clima frio e vento.

Muitos dos vinhedos são antigos?

Temos vinhas de Bobal e Garnacha com 100 anos e outras entre 80 e 60 anos; depois, temos uma plantação mais jovem, que vai de 20 até dois anos, de castas que escolhemos como Cabernet Franc, Malbec, Pinot Noir, etc.

Qual a importância de ser uma vinícola vegana?

Em minha opinião, o rótulo vegano é uma tendência para quem decide se alimentar de forma mais saudável, respeitando os animais. Eu acredito que, resumidamente, é uma forma de criar produtos com o mínimo de intervenção. Não é necessário usar animais para criar produtos que podem ser obtidos naturalmente ou de vegetais.

Qual a identidade de variedades internacionais como Malbec, Syrah e Cabernet Franc cultivadas nas altitudes de Manchuela?

Decidimos plantar estas castas porque a altitude confere às uvas características especiais, como acidez natural e frescura ímpar. As uvas são menores e mais concentradas em solos mais pobres. Concentram-se as cores e os aromas, resultando em vinhos de grande qualidade e frescura. Nossos vinhos refletem a paisagem de onde provêm.

Vocês utilizam leveduras autóctones? Por quê?

Pensamos que se respeitarmos sempre as características naturais do meio ambiente, dos solos e do clima, trabalhando com cada casta separadamente, não faz sentido utilizar uma levedura comercial que dê uma semelhança aos vinhos uma vindima após a outra, tornando-os exatamente igual. Não há dois anos iguais, pois nem sempre chove igual, nem é o mesmo calor. Fazemos os vinhos com as suas próprias leveduras para que cada uva exprima francamente todas as suas características, o seu solo e a condições que a planta viveu por um ano inteiro.

Vocês também não filtram os vinhos, correto?

Quando fazemos a filtragem, conseguimos remover partículas “irritantes” à vista, mas também removemos propriedades e elementos bons que elas possam ter. Na Altolandon, só filtramos com um filtro leve para eliminar as partículas maiores das borras que se acumulam do tempo de envelhecimento e que não contribuem em nada.

Qual o diferencial da uva Bobal, tão importante para vocês?

A casta Bobal é única, tem origem na zona de Utiel-Requena e Manchuela que, na verdade, é a mesma zona separada por um rio, o rio Cabriel. É conhecida há séculos e só é cultivada nesta área, em nenhum outro lugar do mundo, nem mesmo na Espanha. Isto a torna uma variedade única! Rica em acidez, em cor e muito expressiva. É um patrimônio da nossa área que deve ser promovida e divulgada no resto do mundo.

Quais são as principais características do terroir da Altolandon?

Temos diferentes tipos de solos devido à altitude. Durante séculos, as montanhas passaram por processos de erosão que resultaram em solos argilosos, calcários e minerais, com muita pedra que favorece o escoamento das águas. Hoje existe uma cobertura vegetal que favorece a biodiversidade e evita a erosão do solo.

Para você, qual a grande satisfação em ser enóloga?

A minha grande satisfação é poder dedicar-me àquilo que me apaixona, que é o mundo do vinho, desde o início da sua produção. Apesar de ter estudado Enologia, nunca pensei que pudesse ter o meu próprio projeto. É uma sorte dupla poder partilhar esta paixão com a minha família, o meu marido e os nossos três filhos. Mesmo quando você tem certeza de sua preferência, geralmente é difícil criar algo tão empolgante quando você começa do zero.