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A história é conhecida como um dos grandes exemplos de como um rasgo de criatividade pode surgir do mais insuportável dos tédios.

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Em junho de 1816, um grupo de amigos estava na casa do poeta inglês Lord Byron às margens do Lago Genebra, na Suíça. Chovia, o que inviabilizava passeios pela região, e o grupo se distraía lendo histórias alemãs de fantasmas. Byron, então, lançou um desafio a seus convivas (seu secretário particular John Polidori, seu amigo e também poeta Percy Shelley, a então amante deste, Mary Godwin, e Claire Clermont, irmã de Mary e amante de Byron): criar até o dia seguinte uma história de horror a ser apresentada aos demais.

Inspirada pelo desafio, Mary Godwin, que depois passaria a se chamar Mary Shelley quando casou-se oficialmente com Percy, criou o embrião de uma história que, um ano e meio mais tarde, em janeiro de 1818, seria publicada sob o nome de Frankenstein, marco da literatura de horror e uma das obras inaugurais da ficção científica.

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Sem dar por isso Mary Shelley (autora de outro embrião da FC, o romance O Último Homem) concebeu naquele verão suíço algo que poucos escritores conseguiram, antes ou depois: um personagem que se comunicaria de tal modo com as inquietações mais obscuras da psique humana que ganhou vida própria independente de sua autora.

Ironicamente, a criatura engoliu o criador tanto na vida real — na qual mesmo quem nunca leu o livro sabe a que o nome se refere — quanto na ficção, dado que a imaginação do público associa diretamente o nome Frankenstein ao monstro, quando na história este era o sobrenome do cientista que o criou. A criatura propriamente dita não tem nome, embora diga, em certa passagem, que talvez devesse se chamar Adão, o nome do primeiro homem na mitologia judaico-cristã. 

Quando de sua publicação em 1818, o livro recebeu o subtítulo de “O Prometeu Moderno”, demonstrando uma intenção que, para estudiosos como a escritora Susan Tyler Hitchcock, foi cumprida de modo pleno: criar "o primeiro mito da Era Moderna". 

Ao longo dos últimos 200 anos, a ficção científica foi estabelecendo uma tradição de três eixos: a antecipação das maravilhas da ciência; os problemas sociais e morais despertados por avanços da tecnologia; o horror diante da arrogância científica — este último tributário da mentalidade mítica atenta aos perigos de conhecimento proibido. Frankenstein é um pouco dos três. 

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Obcecado pela ideia de criar vida por meio da ciência, então vivendo um florescimento sem precedentes, Victor Frankenstein, o médico, gera uma criatura grotesca que, dotada de força e crueldade descomunais, foge de seu controle. Desde então, gerações se renderam ao fascínio sombrio da criatura e dos dilemas de sua mente torturada. 

Cinema e moral

Hoje o livro é menos conhecido do que seu protagonista, uma vez que o cinema se apropriou tão apaixonada e completamente do personagem.

Em uma série de filmes feitos a partir de 1931, Boris Karloff encarnou uma versão da criatura que se tornou uma imagem indelével da cultura pop, presente mesmo após centenas de outras versões, como a de Robert De Niro no Frankenstein de Mary Shelley dirigido por Kenneth Branagh em 1994, ou a de Peter Boyle na comédia de Mel Brooks “O Jovem Frankenstein” (1974).

Apenas nos últimos 15 anos, Frankenstein também apareceu com os rostos de Shuler Hensley no sofrível “Van Helsing” (2004) e de Aaron Eckhart no ainda pior “Frankenstein: Entre Anjos e Demônios” (2014), entre vários outros exemplos - com uma ressalva para a interpretação digna do inglês Rory Kinnear na série Penny Dreadful. 

Curiosamente, apesar de ser uma espécie de marco da ficção científica, Frankenstein hoje é mesmo uma obra de horror, talvez porque a ciência propriamente dita que animava sua trama (o monstro ganha vida por meio da eletricidade) já ficou para trás.

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O dilema ético dos limites do conhecimento está presente até hoje. Em plena vigência do otimismo do Século das Luzes, no qual se via a racionalidade e a ciência como as ferramentas da libertação inevitável do homem de seus preconceitos e das garras da ignorância, Frankenstein é um conto moral que adverte, em tom de horror, que a ciência pode ser também uma forma de ignorância.

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